Introdução
A encarnação, a vida impecável do Salvador, sua morte de cruz, ressurreição, ascensão e a descida do Espírito Santo no Pentecostes (Jo 16>4-11) são atividades redentoras de Jesus Cristo absolutamente interdependentes. Dizendo de outro modo, Jesus Cristo enviou o outro Consolador (como a síntese de todas as suas conquistas para o seu povo) porque foi coroado em sua ascensão, ressuscitou e ascendeu porque sua morte foi aceita pelo Pai como a morte de um Justo pelos injustos e sua morte foi aceita pelo Pai nesses termos porque ele viveu uma vida para o inteiro agrado do Pai como verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
Todos esses feitos salvadores são igualmente essenciais à obra da salvação, embora devamos concordar que a cruz está no epicentro do conjunto da obra. Nessa cadeia de eventos magníficos, a ascensão não apenas encerra os fatos evangélicos, mas dá início a uma série de desdobramentos que culminarão na consumação dos séculos (Mt 28.20).
A ascensão é essencial à compreensão do reino, visto que por meio dela o Rei Eterno foi coroado e Jesus Cristo assumiu lugar de preeminência cósmica ao lado do seu Pai como o Messias, de onde enviou o Espírito Santo e permanece como intercessor do seu povo até que volte segunda vez em glória para consumar o seu estado de exaltação, aperfeiçoar a salvação do seu povo e subjugar seus inimigos (Fp 2.9-11; 1Co 15.24-28).
A ascensão
O Novo Testamento usa a palavra “ascender” (gr. anabaino) em seu sentido comum, de subir. Mas não só. Quando usada para a ascensão de Jesus Cristo, o termo pressupõe que a obra da expiação está terminada e, após consumá-la, ele passou a compartilhar o governo do universo ao lado do Pai, em posição de absoluta autoridade. Jesus passou a reinar como o Rei Messias de posse de toda a autoridade sobre o céu e a terra, cujo poder incontrastável exerce sobre todas as coisas e poderes.
É certo afirmarmos com Ferreira e Myatt que “a ascensão foi a consumação da ressurreição”, que a descreveram como “a subida visível de Cristo da terra para o céu”, cujo pressuposto é “a mudança da natureza humana de Cristo, que aconteceu em sua ressurreição”.
A ascensão de Cristo implica em haver o Salvador deixado as condições da terra e retomado seu lugar junto ao Pai (Jo 17.1), nos lugares celestiais, onde recebeu domínio absoluto sobre todos os poderes existentes (Mt 28.18; Ef 1.20-22; Cl 2.15) e prepara lugar para receber o seu povo, no futuro (Jo 14.2). Historicamente, localiza-se quando subiu aos céus perante os discípulos, que o acompanharam com os olhos até não poderem mais vê-lo (At 1.9).
A ascensão do Salvador significa que Deus o Pai aceitou seu sacrifício como oferta pelo pecado, como também que o readmitiu à glória celestial como o Deus-Homem, e aponta à ascensão espiritual daqueles que estão em Cristo (Ef 2.5,6), já ocorrida, e à glorificação futura dos salvos (1Co 15.20-23).
Dizer que Jesus Cristo está assentado à direita de Deus Pai (Rm 8.34) implica afirmar que ele possui a autoridade final, visto que ocupa a posição singular e exclusiva de único Rei ungido por Deus. É uma posição real e ao mesmo tempo judicial (1Co 4.5), em que o Cristo ocupa o lugar de Juiz e Promotor de Justiça, mas também exerce função conciliatória e mediadora, atuando como um Defensor Público (1Tm 2.5).
R. C. Sproul observa que a visão em que Estêvão viu o Cristo “em pé à destra de Deus” (At 7.56) indica o cenário completo: “Estar sentado à direita é estar na posição de juiz. O advogado de defesa fica de pé no tribunal, não o juiz. Na visão, Estêvão vislumbra a obra mediadora de Cristo. Enquanto o Sinédrio condena Estêvão à morte, o Cristo assunto [ao céu] se eleva para defendê-lo. Assim, na ascensão, recebemos não apenas um Rei exaltado, mas também aquele que é nosso Mediador supremo”.
A intercessão e o envio do Espírito Santo
Além de um cenário judicial, claramente inserto na ascensão de Jesus Cristo, a obra salvífica em comento aponta também a um ofício sacerdotal (Hb 8.1). Pela ascensão, o Cristo assumiu também uma posição de intercessor como aquele que é o grande Sumo-Sacerdote, tornando-se, portanto, o Rei-Sacerdote. Esses ofícios (real e sacerdotal), separados na antiga aliança e distribuídos entre as tribos de Judá e Levi, foram unidos em Cristo, que passou a exercê-los eternamente conforme uma ordem superior, tanto em relação ao reinado da nação israelense como ao sacerdócio levítico, cujo modelo se encontra prefigurado em Melquisedeque (Hb 5.7-10; 7.1-3).
Assim, ao lado do Pai, o Senhor Jesus Cristo intercede por seu povo (Hb 7.25; Rm 8.34; 1Jo 2.1), “rogando pela aceitação deles com base em seu sacrifício consumado, e por sua segurança no mundo”, e continua a apresentar “continuamente o seu sacrifício consumado ao Pai como base suficiente para a concessão da graça perdoadora de Deus” (Berkhof).
O fato de Jesus ocupar o lugar de Advogado e de Intercessor à desta do Pai implica em uma consolação imensurável para aqueles que nele confiam para a sua eterna salvação. Noutras palavras, a eficácia das orações de Jesus Cristo é fonte inesgotável de consolo a todo cristão: “Tendo, pois, a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou os céus, conservemos firmes a nossa confissão. Porque não temos sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; antes, foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado. Acheguemo-nos, portanto, confiadamente, junto ao trono da graça, a fim de recebermos misericórdia e acharmos graça para socorro em ocasião oportuna” (Hb 4.14-16).
A ascensão, além de ter sido a causa imediata para a intercessão sacerdotal de Jesus Cristo, o foi também para o envio do Espírito Santo. Quando em seus últimos discursos, no cenáculo da última Páscoa, Jesus advertiu seus discípulos afirmando que sua partida lhes seria vantajosa: “Mas eu vos digo a verdade: convém-vos que eu vá, porque, se eu não for, o Consolador não virá para vós outros; se, porém, eu for, eu vo-lo enviarei” (Jo 16.7).
Com efeito, no Pentecostes, o Espírito veio de uma maneira muito superior a tudo o que o povo de Deus tinha experimentado na antiga aliança, cumprindo antigas profecias do Pai (Jl 2.28,29), para capacitá-lo a cumprir a missão até aos confins da terra (At 1.8). Com sua vinda, todo o corpo de Cristo foi capacitado para cumprir a Grande Comissão.
Entretanto, é imprescindível entender que Jesus Cristo só pode enviar o outro Consolador porque ascendeu à mão direita do Pai Todo-Poderoso. Foi na ascensão que Jesus ganhou autoridade para, como o Rei exaltado, enviar à Igreja o Espírito Santo, capacitando-a com poder para exercer a missão cristã. Pedro, no dia de Pentecostes, esclareceu o ponto: “A este Jesus Deus ressuscitou, do que todos nós somos testemunhas. Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis” (At 2.32,33).
A segunda vinda
É óbvia a dedução de que a exaltação do Senhor não terá sido consumada até que ele volte para “julgar os vivos e os mortos”, conforme a cláusula credal que passamos a analisar. Na lição de Louis Berkhof, “o ponto supremo não será alcançado enquanto o que sofreu nas mãos do homem não voltar na qualidade de juiz”.
Com efeito, a segunda vinda do Senhor Jesus foi predita no Antigo Testamento através da expressão “dia do Senhor”, que era compreendida tanto como um dia de redenção e de muita alegria para os justos como de sofrimento e angústia para os infieis (Ml 4.1-5; Sf 1.7-2.3). No Novo Testamento, a segunda vinda do Senhor é predita com expressões correspondentes, tais como “aquele dia” (Mt 24.36), “último dia” (Jo 12.48), “Dia de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 1.7,8), “Dia do Senhor” (1Ts 5.2) e “Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6).
O ensino neotestamentário é que a segunda vinda de Jesus Cristo é certa, razão pela qual estamos “aguardando a bendita esperança e a manifestação da glória do nosso grande Deus e Salvador Cristo Jesus” (Tt 2.13). “Esperança” é a expectação confiante de quem anela ardentemente por algo que não decepcionará, isto é, é a certeza do que se espera. Segundo Hendriksen, esta esperança é “qualificada de bendita, porque infunde o estado de preparação ou disposição, benção, felicidade, deleite e glória”.
A vinda do Senhor será gloriosa (2Ts 1.7,8), física e visível. Nesse sentido, os discípulos, que acompanharam atentamente a ascensão do Senhor, foram avisados que ele voltará do modo como foi visto subir (At 1.9-11). Quanto ao dia e hora da segunda vinda, não podem ser precisados (Mt 24.36; At 1.7; 1Ts 5.1,2), porque a vinda do Senhor será súbita.
Por outro lado, sabe-se que nosso Senhor não voltará sem que o evangelho seja proclamado em todo o mundo (Mt 24.14) e sem que o “homem da iniquidade” tenha se manifestado (2Ts 2.1-3), evento relacionado com a grande apostasia e a grande perseguição que hão de vir sobre a Igreja (Mt 24.21,22; Lc 18.8; 2Ts 2.3).
Finalmente, a vinda do Senhor será inconfundível (Mt 24.29-31; Ap 1.7) e introduzirá uma série de eventos, quais sejam: primeiro, os mortos ressuscitarão com seus corpos, tanto os condenados como os redimidos (Jo 5.28,29; 6.39,40,44; At 24.15); segundo, os redimidos serão transformados à semelhança da humanidade do Jesus (2Co 15.51-57; 1Ts 4.13-18; 1Jo 3.2); terceiro, todos comparecerão perante o Tribunal de Cristo para serem julgados (At 17.31; 2Co 5.10; 2Tm 4.1; 1Pe 4.5; Ap 20.11-15); quarto, Satanás e seu séquito, como também os condenados, serão definitivamente encerrados na condenação eterna (Ap 20.10); e, quinto, a criação será gloriosamente renovada em novos céus e nova terra (Rm 8.20,21; Ap 21.1; 2Pe 3.13). “Já agora a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, reto juiz, me dará naquele Dia; e não somente a mim, mas também a todos quantos amam a sua vinda” (2Tm 4.8).
Quanto ao juízo final, os salvos serão julgados (Rm 14.10; 1Jo 4.17) e receberão o galardão pela graça (Lc 17.10), conforme a perseguição que sofreram (Mt 5.12; 2Co 4.17), a misericórdia que exerceram (Mt 6.1), o serviço que prestaram à Igreja (Mt 10.41,42; 25.31-40) e a maneira como contribuíram à sua edificação (1Co 3.10-17; 1Pe 5.4; 2Tm 4.8).
Portanto, os salvos em Cristo não devem temer o dia do juízo (1Jo 4.17), não porque seus pecados não venham à luz naquele dia, mas porque não há condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus (Rm 8.1). Nesse sentido, Anthony Hoekema escreveu: “As falhas e deficiências desses crentes, portanto, participarão do quadro do dia do juízo. Mas – e este é o ponto importante – os pecados e deficiências dos crentes serão revelados no juízo como pecados perdoados, cuja culpa foi totalmente coberta pelo sangue de Jesus Cristo. Por isso, os crentes não têm nada a temer acerca do juízo – embora a percepção de que eles terão de prestar contas de tudo que fizeram, disseram e pensaram, deveria ser para eles um incentivo constante para a luta diligente contra o pecado, para o serviço cristão consciente e para uma vida consagrada”.
Os descrentes também serão julgados e condenados, segundo todas as obras que praticaram (Ap 20.12,13), conforme a maneira como trataram a Igreja (Mt 25.41-46; Ap 6.9-17) e porque rejeitaram o evangelho (Jo 3.36). Sobre todos os ímpios sobrevirá a morte eterna (Rm 6.23) no inferno, lugar de “fogo inextinguível” (Mt 3.12), “onde não lhes morre o verme nem o fogo se apaga” (Mc 9.48), lugar de “trevas”, “choro e ranger de dentes” (Mt 25.30), onde a ira de Deus será experimentada sem mistura (Rm 2.5,8,9; Hb 10.27-31; Ap 14.10). Os cristãos, de algum modo, participarão do julgamento dos incrédulos (Mt 19.28; Lc 22.28-30; 1Co 6.2,3; Ap 3.21; 20.4).
Por fim, vale destacar que os perdidos serão julgados de acordo com a vida que levaram, com as escolhas que fizeram e com a luz que possuíram. Conforme Ferreira e Myatt anotaram: “Os que tiveram mais revelação de Deus receberão mais severo juízo. Por exemplo, em Mateus 11.21-24, Jesus revela que o destino de Cafarnaum e de Corazim será pior do que o destino de Tiro e Sidom, porque aquelas rejeitaram o testemunho de Jesus, enquanto estas não tinham essa revelação”.
No inferno, os ímpios sofrerão tormentos, dores e sofrimentos no corpo e na alma horrendos e intermináveis, tudo isso acompanhado de agonias lancinantes. Aqui reside a manifestação da ira de Deus, como Hendriksen escreveu: “O inferno é inferno porque Deus está lá, Deus em toda a sua ira… O céu é céu porque Deus está lá, Deus em todo o seu amor. É desta presença de amor que o ímpio é banido para sempre”.
Conclusão
Este escritor entende que quanto aos últimos acontecimentos do mundo, chamados no estudo da teologia de “escatologia”, deveríamos todos pensar e falar com a humildade de quem reconhece saber muito pouco. É mesmo possível que os “doutores” em escatologia estejam a anos-luz do que realmente a Escritura diz que acontecerá ou sobre o exato significado dos textos apocalípticos de Daniel, Ezequiel e Apocalipse, para citar alguns.
Lembra-se, oportunamente, que não faltaram “profetas” dispostos a marcar a data da segunda vinda de Jesus Cristo. Alguns chegaram, com suas vãs especulações, a causar alvoroço entre os incautos, distúrbios sociais, pânico em massa e até suicídios, tudo para a mais flagrante vergonha de todos os cristãos e com deliberada recusa em atentar às palavras de Jesus sobre não nos competir conhecer tempos ou épocas (At 1.7).
Sugiro, pois, que nos avaliemos com parcimônia e que estejamos dispostos a confessar aquilo que é a mensagem mais clara das Escrituras, sem nenhuma soberba de acharmos que finalmente descobrimos segredos que estiveram ocultos da Igreja por milênios.
Que nos seja suficiente saber que Jesus Cristo encarnou, morreu pelos nossos pecados, foi sepultado e ressuscitou, segundo as Escrituras (1Co 15.3,4; Rm 4.25), tendo ascendido aos céus, onde exerce plena autoridade sobre o mundo que criou, à destra do Pai. Isso ocorreu na “plenitude dos tempos” (Gl 4.4), cumprindo antigas profecias de forma tão precisa que mesmo o homem mais incrédulo, se se dedicar a conhecê-las, ficará impressionado.
Todavia, parte dessas antigas profecias, somadas a previsões de Jesus Cristo e dos apóstolos, ainda não se cumpriram, mas a Igreja tem os melhores, mais claros e sólidos motivos para esperar convicta que se cumprirão, porque há uma outra “plenitude dos tempos” a aguardando no futuro (Ef 1.10). Jesus Cristo de fato voltará de forma física, visível, literal e gloriosa para restaurar seu mundo, consumar a redenção do seu povo, estabelecer novos céus e nova terra onde habitam justiça e equidade e exercer seu justo juízo sobre todos. “Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Certamente. Amém!” (Ap 1.7).