Introdução
A ressurreição de Jesus Cristo não foi aceita unanimemente no primeiro século nos círculos religiosos judaico-cristãos, nem entre os intelectuais de Atenas. Os saduceus não aceitavam a ressurreição dos mortos e, segundo a avaliação de Jesus, isso se devia à ignorância das Escrituras e quanto ao poder de Deus (Mt 22.23-33). Paulo também enfrentou resistência à ressurreição entre os intelectuais no Areópago (At 17.32), como também dedicou um extenso capítulo em 1Coríntios para recuperar aqueles que diziam “que não há ressurreição de mortos” (1Co 15.12).
A ressurreição continua sendo questionada e criticada, às vezes relegada a um mito do Novo Testamento, como vem propalando a teologia liberal desde o século XIX. Nesses círculos liberais costuma-se defender que, conquanto a ressurreição seja útil a algum tipo de esperança ou subjetividade espiritual, não passa daquilo mesmo, de um mito.
A ressurreição de Jesus, todavia, é a pedra angular do testemunho e da fé da Igreja, conforme se pretende demonstrar, e a maneira como o Pai vindicou o Filho e declarou aceito o seu sacrifício como pagamento cabal pelos pecados do seu povo. É o tema, pois, da presente lição, enquanto caminhamos à luz do antigo Credo cristão.
A Ressurreição de Cristo predita no Antigo Testamento
Indubitavelmente, o Antigo Testamento anunciou tanto a morte vicária (ou substitutiva) do Messias (como vimos na lição anterior) como a sua ressurreição. Aos discípulos a caminho de Emaús, nosso Senhor já ressurreto lhes apresentou passagens do Antigo Testamento que se aplicavam aos eventos do último final de semana, com eles relacionados (Lc 24.21-27).
Essa série de predições veterotestamentárias acerca da morte e ressurreição de Jesus Cristo certamente tem início em Gênesis 3.15 (o chamado protoevangelho), onde se prediz a ressurreição do Redentor ao dizer que a a ferida do descendente da mulher seria remediada.
Igualmente notável é o uso que Pedro e Paulo fizeram de Salmos 16.10 (“Pois não deixarás a minha alma na morte, nem permitirás que o teu Santo veja corrupção”), em Atos 2.27 e 13.35, respectivamente. A palavra “morte” (heb. Sheol; gr. Hades) deve ser compreendida, no contexto, como sinônimo de túmulo e, nesse sentido, o salmo referido foi utilizado pelos apóstolos como uma predição da ressurreição do Messias.
Em Isaías 53, o profeta predisse que o Servo Sofredor, depois que experimentasse uma morte violenta (expressa pelos termos “traspassado” e “moído”, no v. 5, e “arrebatado” e “cortado”, no v. 8) e fosse sepultado (v. 9), veria a sua posteridade e prolongaria os seus dias (v. 10), em uma clara referência à ressurreição do Messias. Nesse sentido, J. Ridderbos escreveu: “A vida com ‘dias prolongados’ assume um significado peculiar, porque é uma vida posterior à Sua morte, a vida de uma pessoa ressurreta (cf. Ap 1.8)”.
A ressurreição de Cristo cumprida no Novo Testamento
No Novo Testamento, o Senhor Jesus Cristo predisse sua morte e ressurreição, a princípio, de forma velada (Jo 2.18-22; Mt 12.38-40; 16.4) e, após a confissão de Pedro (Mt 16.16), de modo claro (Mt 16.21; 17.9,22,23; 20.18,19). Em Mateus 26.31,32, os discípulos são avisados que, escandalizados, abandonariam o Senhor, mas, após a ressurreição, seriam outra vez reunidos na Galiléia. Essa advertência foi relembrada pelo anjo, após a ressurreição (Mt 28.7).
A respeito do tema, observemos na sequência os fatos conforme relatados no Novo Testamento.
Cristo de fato morreu
Os Evangelhos narram com riqueza de detalhes os fatos históricos relacionados tanto à morte e à ressurreição do Senhor. Após os açoites (Mc 15.15-20) e o escarnecimento (Mt 27.27-31), Jesus foi entregue para ser crucificado (Mc 15.22; Mt 27.26).
Que a morte foi realmente verificada por todos os envolvidos, não resta dúvida. Pilatos se admirou porque Cristo morreu tão cedo (Mc 15.44) e só liberou o corpo para José de Arimatéia após se certificar da ocorrência com seus homens de confiança (Mc 15.44,45; Mt 27.57-61). Os soldados romanos, especialistas em crucificação, após séria averiguação, confirmaram a morte a Pilatos (Jo 19.31-34). A morte foi igualmente verificada por José de Arimatéia e por Nicodemos (Jo 19.38-42). Finalmente, os judeus, convictos quanto à morte de Jesus, solicitaram uma guarda para vigiar o túmulo, ao argumento de que os discípulos poderiam furtar o corpo e dar início a um “mito da ressurreição” (Mt 27.62-64).
Ademais, que o corpo do Senhor foi depositado no túmulo, também não há dúvidas! José de Arimatéia e Nicodemos prepararam o corpo para o sepultamento (Mt 27.57,58; Jo 19.38-40). O momento do sepultamento foi testemunhado também pelas mulheres (Mt 27.61; Mc 15.47). Após o sepultamento, uma grande pedra foi rolada para a entrada do túmulo (Mt 27.60; cf. Mc 16.3,4) e a guarda romana selou a pedra e permaneceu guardando-o (Mt 27.66), de modo que a violação daquele túmulo em particular ensejaria as reações do rigor da lei romana. Ali estava a sepultura mais bem vigiada da história humana!
Cristo de fato ressuscitou
Tudo que Pilatos, a guarda romana e os judeus fizeram para evitar os possíveis “furto do corpo” e o surgimento do “mito da ressurreição” apenas confirmam a hipótese. É dizer, Pilatos, a guarda romana e os judeus, com suas precauções, corroboraram que Cristo de fato ressuscitou, como sugeriu Jerônimo: “se o sepulcro estiver selado, não ocorrerá qualquer negócio escuso. De modo, então, que a prova da sua ressurreição tornou-se indiscutível devido ao que vocês mesmos sugeriram. Mas, se não ocorreu qualquer negócio escuso e o sepulcro foi encontrado vazio, então fica patente, sendo algo indiscutível, que ele ressuscitou. Percebe você como, até contra a própria vontade, eles ajudaram a demonstrar a verdade?” (Citado por Josh McDowell).
Demais disso, o registro do suborno pela guarda romana, após a ressurreição, é digno de nota (Mt 28.11-15). A falsa notícia de que o corpo foi roubado decorreu de dois fatos: primeiro, que o corpo de Jesus estava no túmulo quando a guarda chegou, tanto que a notícia só foi criada após a ressurreição; segundo, que a guarda constatou que o túmulo estava vazio, o que necessitaria de uma explicação.
As aparições do Cristo ressurreto
Finalmente, devemos observar as tantas aparições incontestes do Jesus Cristo ressurreto a testemunhas oculares do fato histórico da ressurreição, das quais mais da metade das quinhentas estavam vivas e poderiam corroborar, à época em que Paulo escreveu 1Coríntios 15.3-8 (c. 56 d.C.).
No domingo pela manhã, o Senhor apareceu a Maria Madalena (Mc 16.9; Jo 20.14-17) e às demais mulheres (Mt 28.9,10). À tarde desse mesmo domingo, apareceu a Pedro (Lc 24.34; 1Co 15.5), aos discípulos a caminho de Emaús (Lc 24.13-32; Mc 16.12,13) e aos dez discípulos, sem Tomé (Jo 20.19-25). No domingo seguinte, apareceu outra vez aos discípulos, com Tomé (Jo 20.26-29; Mc 16.14).
Quatro ou cinco semanas após, o Jesus se apresentou na Galiléia, no mar (Jo 21.1-23) e no monte (Mt 28.16-20; Mc 16.15-18), onde foi visto por mais de quinhentas testemunhas (1Co 15:6). Nesse período, o Senhor apareceu a Tiago (1Co 15:7) e aos discípulos em Jerusalém (Lc 24.44-49; At 1.3-8), quando foi visto ascender.
Todos esses relatos implicam em aparições reais, históricas, nas quais o Jesus apareceu com o corpo físico (Jo 20.17,20; 21.12-14; Lc 24.39), embora com “características extraordinárias” (Jo 20.13,19; 21.7; Lc 24.31,36), com “propriedades físicas que transcendiam a realidade comum” (Ferreira e Myatt).
Somente a Estevão (At 7.55,56), a Paulo (At 9.10,11; 22.17-21; 23.11) e a João (Ap 1.9-13), as aparições do Cristo ressurreto ocorreram em uma visão particular, devendo, quanto à aparição a Paulo, ser observado com Ferreira e Myatt o que segue: “Apesar de ter elementos semelhantes com os de um fato puramente místico, o acontecimento no caminho de Damasco não fugiu dos padrões de um fato ocorrido no tempo e no espaço. Outros presenciaram a luz e ouviram a voz. O que estava ocorrendo não era algo ocorrido apenas no âmbito particular, mesmo que a comunicação entre Jesus e Saulo tenha sido feita nesse âmbito”.
A ressurreição como fundamento da pregação apostólica
Igualmente verificável é o fato que a ressurreição de Cristo se tornou, desde cedo, o centro da pregação apostólica (At 2.24,32; 3.15; 4.10; 5.30; 10.40; 13.30,34; 17.31). Dentre todas as grandes religiões mundiais (judaísmo, budismo, islamismo e cristianismo), só o cristianismo menciona um túmulo vazio e tem no fato histórico e miraculoso da ressurreição de Cristo sua doutrina fundamental (1Co 15.14,15,17-19; 1Pe 1.21). “A fé na ressurreição é a principal coluna de sustentação da fé cristã; retirando-se a coluna, tudo inevitavelmente cai por terra” (H. P. Liddon, citado por Josh McDowell).
O livro de Atos narra a primeira proclamação pública da ressurreição, feita pelo apóstolo Pedro no dia de Pentecostes. Na ocasião, Pedro disse que era impossível que Jesus, o varão “aprovado por Deus diante de vós com milagres, prodígios e sinais” fosse retido pela morte (At 2.22-24). O “mito”, segundo a cosmovisão de Pedro, seria imaginar que o “Santo” de Deus, aquele a quem Deus fez “Senhor e Cristo”, permanecesse sob as garras da morte.
O apóstolo relembrou na sequência que Salmos 16.8-11 não pode ter encontrado em Davi seu cumprimento final, uma vez que aquele rei de Israel tinha morrido, permanecia enterrado e seu túmulo poderia ser visitado por um transeunte qualquer do primeiro século. Sua exposição, ao contrário, deixa claro que Davi, falando como profeta e certo de que Deus faria de um descendente seu o Rei Eterno, “referiu-se à ressurreição de Cristo, que nem foi deixado na morte, nem o seu corpo experimentou corrupção (At 2.29-31).
Que o fato histórico da ressurreição de Jesus Cristo está no centro da pregação apostólica, vê-se também no grande capítulo de 1Coríntios 15. Contra os “mitologizadores” da ressurreição dos mortos, Paulo relembrou o “evangelho” por ele anunciado, pelo qual os coríntios haviam sido salvos (vs. 1,2), por meio de um credo primitivo (vs. 3,4). Após reafirmar as provas incontestes da ressurreição de Cristo através de aparições aos apóstolos e a centenas de cristãos (vs. 5-8), expôs sem rodeios as implicações da negação da ressurreição dos mortos (e de Jesus Cristo). Disse, a propósito, que se não há ressurreição, Cristo não ressuscitou e, se Cristo não ressuscitou (vs. 12-19):
- “É vã a nossa pregação”: o conjunto do ensino apostólico, consistente de interpretação do Antigo Testamento e das palavras e atos de Jesus, é inútil;
- “E vã, a vossa fé”: a fé da comunidade da fé simplesmente não faria sentido algum, considerando que, para o cristianismo, a fé não tem valor em si mesma, mas depende absolutamente do conteúdo a que se apega;
- “E somos tidos por falsas testemunhas de Deus, porque temos asseverado contra Deus que ele ressuscitou a Cristo”: a pregação apostólica, se não há ressurreição e se Cristo não ressuscitou, não é apenas inservível, é tão somente uma pura blasfêmia, uma pecaminosa e abjeta mentira;
- “E ainda permaneceis nos vossos pecados. E ainda mais: os que dormiram em Cristo pereceram”: não há esperança nem para vivos, nem para os que morreram confiando em Jesus, porque não teria havido redenção;
- “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens”: todo o sentido de significado da vida e da esperança cristãs ficam irremediavelmente perdidas e, como sobraria apenas a sepultura como o fim último da existência terrena, nenhum sacrifício por Cristo faria sentido (vs. 30-32).
Mas a sepultura não é a realidade final da existência. “Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras” (vs. 3,4). “Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem… Cada um, porém, em sua própria ordem: Cristo, as primícias; depois, os que são de Cristo, na sua vinda” (vs. 20,23).
Conclusão
Concluímos destacando que a ressurreição de Jesus Cristo possui ao menos três significados fundamentais: primeiro, demonstra que Cristo venceu o último inimigo, a saber, a morte (At 2.24; 1Co 15.26); segundo, prova que Deus o Pai aceitou a morte de Cristo como completa e suficiente para expiar pecados (Rm 4.25), visto que, caso não tivesse havido ressurreição, ainda estaríamos mortos em nossos pecados (1Co 15.17); terceiro, evidencia a ressurreição de Cristo como o alicerce da ressurreição daqueles que estão em Cristo (1Co 15.20-22, 51-57; 2Co 4.14; 1Ts 4.14), consistindo no fundamento e na razão da nossa viva esperança (1Pe 1.3).