Não Tomarás o Nome do Senhor em Vão

Lição 6/15

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Introdução

O terceiro mandamento só poderá ser adequadamente considerado se ponderarmos sobre a relação que há entre o “nome” de uma pessoa e o seu conjunto de características, como se costuma verificar de modo preponderante na cultura do povo hebreu antigo e no registro escriturístico. 

Nos tempos bíblicos, sobretudo à cultura oriental, os nomes que eram dados às pessoas detinham uma carga valorativa ou experiencial, porque descreviam marcas da personalidade ou fatos da vida, e o próprio ato de nomear era uma espécie de exercício de autoridade. Como exemplos, observe-se que a insensatez de Nabal é sugerida pelo significado do seu nome (1Sm 25.25) e o nome de Isaque remonta ao riso dos seus pais (Gn 17.17; 18.12). O mesmo pode ser percebido nos casos de Esaú e Jacó (Gn 25.25,26).

De modo semelhante, os nomes que são dados a Deus na Escritura devem ser tomados como de fato são, autorrevelações do próprio Deus através dos quais Ele nos revela facetas da sua majestade. Não por outra razão os nomes de Deus são também denominados de “atributos nominais”, uma vez que revelam e anunciam permanentemente as perfeições divinas, como podemos ver nos termos “Elohim” (“aquele que é forte”), “El-Shaddai” (“Deus Todo-poderoso”), “El-Elyon” (“Deus Altíssimo”), “El-Olam” (“Deus Eterno”) etc. (Gn 1.1; 17.1,2; Dt 32.8; Gn 21.33). 

Por outro lado, a par dos vários nomes de Deus mencionados na Bíblia, sua Palavra também faz referência ao “nome” de Deus no singular, como ocorre no terceiro mandamento e em diversas passagens (Sl 8.1; Sl48.10; Pv 18.10 etc.). Nesse caso, o “nome” de Deus é a representação de Deus, que muitas vezes é empregado como uma forma alternativa para falar do próprio Deus (Lv 18.21; Sl 7.17; Am 2.7; Mq 5.4). O “nome” de Deus é Deus se comunicando com o homem.

Nesse sentido, quando Moisés antevê que os filhos de Israel lhe perguntariam qual o “nome” do Deus que lhe enviou, eles, na verdade, haveriam de querer saber quem o tinha enviado, porque o nome é a pessoa que o carrega (Ex 3.13,14). Em Deuteronômio 12.11, Moisés predisse um lugar onde Deus faria habitar o seu “nome”, ou seja, onde Deus mesmo habitaria. Essa promessa foi relembrada por Salomão, quando da inauguração do templo (1Rs 8.29).

No Novo Testamento, o “nome” de Deus é revelado de uma maneira muito mais plena, visto que o Deus Unigênito, que está no seio do Pai, tornou-oconhecido (Jo 1.18) e revelou seu nome (Jo 17.6,26). É, portanto, no Novo Testamento que se nos torna manifesto que nossa salvação está em o nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e que ser batizado nesse nome é um sinal e um selo da nossa comunhão com Deus Trindade (Mt 28.29).

Pois bem, prossigamos na tarefa de compreendermos as proibições e os comandos positivos do terceiro mandamento.

O que o terceiro mandamento nos proíbe?

Primeiro, observemos as proibições o terceiro mandamento nos impõe.

Em primeiro lugar, o terceiro mandamento nos proíbe de fazer qualquer uso impensado, irrefletido, casual, do nome de Deus. Hans UlrichReifler denuncia o costume popular no uso de expressões do tipo “meu Deus”, “Deus me livre”, “se Deus quiser”, “Deus é testemunha”, para alertar que “O problema não está no uso destas palavras, mas na atitude do coração. Quando bem pensadas, tais expressões constituem uma oração, manifestam nossa confiança no Senhor e testificam a sinceridade de nossa fé. Por outro lado, não resta dúvida de que o uso impensado dessas frases não ajuda em nada; pelo contrário, revela leviandade para com as coisas sagradas, e é o que está em pauta no terceiro mandamento”.

Em segundo lugar, o terceiro mandamento nos proíbe, com muito mais razão, o uso do nome de Deus de forma irreverente, vulgar. Frases como “o cara lá de cima” e “Deus é 10” devem ser peremptoriamente extirpadas do nosso vocabulário, primeiro porque nos dessensibiliza quanto à reverência da qual Deus é digno e, segundo, porque promove uma noção deturpada do Deus três vezes santo. Não se pode imaginar que Isaías, a concluir pela sua reação ante à visão do Senhor, ousaria pronunciar expressões indignas para se referir à majestade de Deus (Is 6.5).

Em terceiro lugar, o terceiro mandamento nos proíbe a blasfêmia do nome de Deus (2Rs 19.22; Lv 24.11). O Dr. Geerhardus Vos ensina que “Blasfemar é chamar nomes ou usar qualquer linguagem ímpia diretamente contra Deus. Por exemplo: acusá-lo de impiedade, injustiça ou falsidade de quaisquer espécies é blasfemar contra Deus”.

Em quarto lugar, o terceiro mandamento nos proíbe de usar o nome de Deus em juramentos falsos (Lv 19.12) e levianos e a jurar pelos falsos deuses. Para o nosso propósito, é suficiente afirmar que na Escritura o que se proíbe não é o juramento em si mesmo, qualquer que seja ele (Mt 5.34; Tg5.12), como se pode depreender dos exemplos de juramentos encontrados com frequência na Bíblia (Gn 24.1-4; Rm 1.9). 

O que estão proibidos no terceiro mandamento, portanto, são: a uma, os juramentos pelos falsos deuses, porque isso implica em idolatria (Ex23.13; Jr 5.7; Sf 1.5); a duas, os juramentos pelos servos de Deus, porque equivale a lhes conferir a glória que somente a Deus pertence; a três, os juramentos frívolos, aqueles que não tenham relação com a glória de Deus, com a promoção da justiça e com o amor; e, a quatro, os juramentos para fazerem a mentira prevalecer (Mt 26.74). 

Finalmente, fica proibido pelo terceiro mandamento de igual modo o não cumprimento dos juramentos proferidos, a exemplo do rompimento dos votos de casamento, da quebra da palavra empenhada em negócios, do falso testemunho dado em juízo e da deserção da fé ou do sagrado ministério da Palavra. Eis a razão pela qual Provérbio 20.25 nos ensina que “Laço é para o homem o dizer precipitadamente: É santo! E só refletir depois de fazer o voto”. Portanto, melhor é não fazer votos precipitadamente, sem pensar nas consequências (Dt 23.21-33; Ec 5.4,5), porque, a princípio, todo voto deverá ser cumprido (Nm 30.2; Sl 50.14; 76.11) e toda a palavra, mantida, ainda que para o próprio prejuízo de quem a proferiu (Sl 15.4).

Em quinto lugar, o terceiro mandamento nos proíbe a participação nos rituais cúlticos em honra a falsos deuses, o que constitui profanação do seu nome (Lv 18.21), tanto quanto o uso supersticioso e ignorante do nome de Deus (Jr 7.4-10,14,31; At 17.23). Há algumas décadas, popularizou-se no Brasil o movimento chamado “batalha espiritual”, alinhado com outra heresia conhecida como “confissão positiva”, que ensinou ao povo evangélico brasileiro a repetir a frase “está amarrado em nome de Jesus” diante de circunstâncias desagradáveis. Eis um exemplo doméstico do uso supersticioso do nome de Deus.

Em sexto lugar, o terceiro mandamento nos proíbe o uso do nome de Deus para todos os fins que não sejam a sua glória, exigindo tanto uma conformação formal quanto de motivos com esse propósito. Em Mateus 7.21-23, cristãos nominais serão reprovados no juízo, a despeito da confissão que fizeram, porque usaram o nome de Jesus para profetizar, expulsar demônios e fazer milagres, mas em vão, hipocritamente, para a sua própria glória, e não para a glória do Salvador.  

O que o terceiro mandamento nos exige em termos positivos?

Como Lutero observou, o terceiro mandamento diz mais do que “Você não vai fazer uso fútil do nome de Deus!” Mais que isso, “ele dá a entender que se deve, sim, usá-lo, pois ele nos foi revelado e dado justamente para ser usado e aproveitado”. Com isso, o reformador alemão está a ensinar que o terceiro mandamento também traz consigo mandamentos positivos, ordens positivas que passaremos a destacar. 

Em primeiro lugar, começamos a observar o terceiro mandamento quando invocamos o nome do Senhor Jesus para a salvação (Rm 10.10,13). Desse modo, confessamos que não há salvação em nenhum outro nome, abaixo do céu e dado entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos (At 4.12). Daí a conclusão necessária no sentido de que somente os verdadeiros cristãos podem honrar o nome de Deus de acordo com a sua vontade revelada. 

Em segundo lugar, o terceiro mandamento nos impõe que tudo façamos com vistas ao reconhecimento da santidade do nome do Senhor. Tal reconhecimento deve ser objeto de nossas orações (Mt 6.9), tanto quanto a força motivadora das nossas boas obras (Mt 5.16) e da nossa piedade prática (Fp 1.27). Um proceder desonesto, antiético, pode ser causa de muito ceticismo e acusação contra Deus e sua Palavra (2Sm 12.14). Que o nome do Senhor seja santificado por nós quando estivermos no trânsito ou no trabalho, em casa ou no lazer, em conversas com amigos e nas redes sociais tanto quanto no culto e na comunhão dos santos. 

Em terceiro lugar, o terceiro mandamento nos impõe que cultuemos a Deus com a reverência da qual Ele é digno. Sobre esse ponto, valem os alguns destaques. A Palavra de Deus deve tratada com reverência (Sl 138.2). Basta observarmos a atitude de nosso Senhor no culto na sinagoga, em como “levantou-se para ler” a Palavra (Lc 4.16), para sermos persuadidos a lidar reverentemente com a Escritura. Em Romanos 1.2, Paulo qualifica as “Escrituras” de “sagradas”, porque elas se distinguem por seu caráter santo de todas as demais obras escritas.

Não menos reverente deve ser a nossa participação nos sacramentos. Eis a razão da solene advertência apostólica: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo, e, assim, coma do pão, e beba do cálice; pois quem come e bebe sem discernir o corpo, come e bebe juízo para si” (1Co 11.28-29). Comer e beber sem “distinguir” ou “discernir” o corpo talvez seja a atitude de participar da Ceia sem entender seu caráter santo em relação às demais refeições comuns. A música deve revelar a santidade de Deus (2Cr 20.21), sobretudo por sua letra ser a Palavra de Deus cantada. Finalmente, todo o culto deve ser conforme a sua Palavra, fervoroso e fiel, sob pena de estarmos promovendo a desonra do nome do Senhor (Ml 1.6-14).

Em quarto lugar, o terceiro mandamento nos impõe o ensino correto das Escrituras. A oração “santificado seja o teu nome” deve ser acompanhada pela proclamação das virtudes daquele que nos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1Pe 2.9). Se somente as pessoas regeneradas honram a Deus verdadeira e espiritualmente, e se a Palavra é o instrumento do Espírito para gerar de novo pessoas mortas em delitos e pecados (Tg 1.18), disponhamo-nos a ensinar a Palavra de Deus. Sejamos encontrados dentre aqueles que manejam bem a Palavra da verdade (2Tm 2.15), aptos para instruir (2Tm 2.24), persistentes em pregar (2Tm 4.2) e preparados para dar as razões da nossa esperança (1Pe 3.15).

Conclusão

Portanto, o terceiro mandamento tem como pressuposto o conjunto das perfeições do ser de Deus, que perfazem a sua glória indizível, tanto quanto o modo como se refletem na soma das suas obras. Noutras palavras, ele pressupõe a glória excelsa do Deus que se revela nas Escrituras, aponta para o conjunto das suas perfeições comunicáveis e incomunicáveis e pretende vê-las protegidas da profanação. O majestoso Deus Trindade – as pessoas santíssimas do Pai, do Filho e do Espírito Santo -, suas perfeições e suas obras, não podem ser banalizadas.

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