Lições da história
Diversas e valiosas são as lições auferidas pelo estudo cuidadoso da História da Igreja. A história, sobretudo, nos dá a percepção clara de que somos parte de um processo que não iniciou conosco nem em nós. Isso, por si só, já nos indicaria que somente a história explica o presente (facilmente observamos as razões dos nossos erros e acertos, à luz da história), que necessitamos urgentemente reforçar nosso senso de humildade e tolerância (porque a história revelar-nos-á tão somente como parte de um cristianismo que transcende as nossas igreja e denominação contemporâneas), bem como saberemos os rumos a tomar quanto ao futuro, quais erros evitar e quais acertos estimular (1Co 10.6,11).
Ademais, não perderemos de vista, no curso desses estudos, as lições práticas e aplicáveis à vida cristã pessoal. Nesse quadrante, a história nos proverá inspiração poderosa para prosseguir, mormente nos momentos de perseguição e dificuldade (impossível não aprender com os gigantes Inácio de Antioquia e Policarpo de Esmirna em seu modo de enfrentar o martírio), e ser-nos-á luz para compreendermos o desenvolvimento do estabelecimento da teologia cristã ao longo dos séculos (impossível não aprender teologia com as controvérsias cristológicas e teontológicas que envolveram nomes como Gregório de Nissa, Basílio e Gregório de Nazianzo). Não nutrimos quaisquer dúvidas de que “a ignorância da Bíblia e da história da igreja é a razão principal por que muitos se enveredam por falsas teologias e por práticas erradas” (Cairns).
A contribuição dos romanos, dos gregos e dos judeus para o advento do cristianismo
Nos séculos que antecederam o cristianismo, o Rei das nações não inspirou profetas nem produziu Escrituras Sagradas, mas usou soberanamente as nações para preparar o mundo para o advento da primeira vinda de Jesus Cristo. Deus conduziu a história até a “plenitude dos tempos” (Gl 4.4; cf. Mc 1.15).
Os romanos deram sua contribuição política ao cristianismo, produzindo um mundo onde a locomoção poderia se dar de modo pacífico e eficiente (o que muito contribuiu para as viagens missionárias), através de um sistema viário composto de estradas calçadas que interligava as cidades estrategicamente.
Os gregos contribuíram, sobretudo, com o aspecto intelectual, concedendo ao mundo de então uma língua universal (o grego koine, do homem comum, espalhado poucos séculos antes por Alexandre e seus soldados) e uma filosofia que tornava obsoletas as religiões antigas.
Entretanto, muito maior foi a contribuição dos judeus para o cristianismo. Pode-se mesmo dizer que “o judaísmo pode ser considerado como o botão do qual a rosa do cristianismo abriu-se em flor” (Cairns). Jesus foi incisivo quando afirmou que a salvação vem dos judeus (Jo 4.22) e Paulo, ao dizer que aos judeus foram confiados os oráculos de Deus (Rm 3.2; 9.4,5). Portanto, o Antigo Testamento, com o seu monoteísmo e sua ética absolutamente distintivos no mundo de então, a esperança messiânica e a instituição da sinagoga foram pontos de contato com os judeus que o cristianismo não iria prescindir.
Portanto, Deus densificou os séculos que antecederam o cristianismo para que tudo convergisse para o mundo que receberia o Messias, vindo na “plenitude do tempo” (Gl 4.4).
A historicidade de Jesus Cristo
A historicidade de Jesus Cristo não representa qualquer dificuldade para um historiador desprovido de preconceitos. Além dos vinte e sete livros/cartas do Novo Testamento e dos escritos dos Pais da Igreja (escritores cristãos dos primeiros séculos do cristianismo), diversos inimigos da fé e críticos severos do cristianismo o mencionaram em suas obras.
Tácito (c. 54 d.C. – c. 120 d.C.), historiador romano e governador da Ásia em 112 d.C., ao escrever sobre o reinado de Nero, disse: “… Chistus, o que deu origem ao nome cristão, foi condenado à morte por Pôncio Pilatos, durante o reinado de Tibério …”.
Plínio, que foi governador da Bitínia em 112 d.C., escreveu ao imperador Trajano solicitando orientações sobre como deveria tratar os cristãos. Nessa carta, Plínio afirmou que fez os cristãos “amaldiçoarem a Cristo, o que não se consegue obrigar um cristão verdadeiro a fazer”. Em sua defesa, os cristãos respondiam, segundo Plínio, que sua única culpa era se reunir antes do amanhecer e cantar hinos responsivos a Cristo, “tratando-o como Deus”.
Luciano (c. 125 d.C – c. 190 d.C.) foi outro escritor satírico do segundo século. Ele zombou de Cristo e dos cristãos. Referiu-se a Cristo como “o homem que foi crucificado na Palestina porque introduziu uma nova seita no mundo” e como o “sofista crucificado”, a quem os cristãos adoravam.
Outro historiador romano a mencionar Cristo em sua obra foi Suetônio (c. 120 d.C.). Ele era um oficial da corte do imperador Adriano e escritor das crônicas reais. Ele disse: “Como os judeus, por instigação de Chrestus (Christus), estivessem constantemente provocando distúrbios, ele os expulsou de Roma”.
Josh MacDowell (citando F. F. Bruce) faz menção à carta de um sírio de nome Mara Bar-Serapião, escrita por volta de 73 d.C., a seu filho Serapião, na qual o estimula à busca da sabedoria, “ressaltando que os que perseguiram homens sábios foram alcançados pela desgraça”. Depois de dar exemplos de Sócrates e Pitágoras, Mara Bar-Serapião diz: “Que vantagem os judeus obtiveram com a execução de seu sábio Rei? Foi logo após esse acontecimento que o reino dos judeus foi aniquilado”.
Outro testemunho valioso da historicidade do Senhor está nos escritos do historiador judeu Flávio Josefo (37d.C. – 100 d.C.). Josefo faz uma alusão a Tiago, “o irmão de Jesus, assim chamado Cristo”, a quem o então sumo-sacerdote Anano, após reunir um conselho de juízes, acusou-o e o entregou para ser apedrejado.
A cronologia da vida de Jesus Cristo
O abade cita chamado Dionísio Exiguus (que morreu por volta de 550 d.C.) escolheu a data de 754 da fundação de Roma para o nascimento de Cristo (ano 0 da era cristã), ao invés do ano 749 (ano 5 a.C. da era cristã, data mais provável).
Sabe-se por Josefo que ocorreu um eclipse no ano 750 (4 a.C.) da fundação de Roma, antes da morte de Herodes. Desse modo, na data escolhida por Dionísio para o nascimento de Cristo, Herodes já estaria morto há cerca de 4 anos e não teríamos como encaixar os eventos das crianças em Belém e a fuga para o Egito (Mt 2). A ordem da matança dos bebês de dois anos para baixo (Mt 2.16) e a morte de Herodes em torno de abril do ano 4 a.C., portanto, impõem uma data para o nascimento do Senhor entre os anos 6 e 5 a.C.
O início do ministério do Senhor pode também ser razoavelmente identificado. Tibério César começou a governar com César Augusto por volta de 11 ou 12 d.C., e governaram juntos por dois anos. O ministério de João Batista teve início no 15º ano de Tibério César, o que corresponde a 26 ou 27 d.C. (cf. Lc 3.1-3).
Ademais, quando Jesus tinha cerca de 30 anos (Lc 3.23), fez sua primeira visita a Jerusalém, momento em que os judeus disseram que o Templo levou 46 anos para ser edificado (Jo 2.13,20). Como sabemos que Herodes começou a reinar em 37 a.C., e, segundo Josefo, a reforma do Templo iniciou no ano 18 do seu reinado (ou seja, em 19 a.C.), se somarmos 46 anos a partir de 19 a.C. teremos o ano 27 d.C. para esta primeira visita do Senhor a Jerusalém. Ora, se Jesus Cristo iniciou seu ministério e fez a primeira visita a Jerusalém após o batismo com cerca de 30, e isso se deu em 26 ou 27 d.C., é óbvio que precisamos retroagir seu nascimento em pelo menos 4 anos.
A duração do ministério de Jesus é geralmente demarcada a partir das festas judaicas da páscoa, conforme mencionadas por João. Três páscoas são expressamente referidas (Jo 2.13; 6.4; 12.1), além da possibilidade de uma quarta em João 5.1, consoante concluem diversos estudiosos. Destarte, o ministério de Jesus teria começado em 26 d.C., antes da primeira páscoa, a do ano 27 d.C. (Jo 2:13), e terminado na páscoa do ano 30 d.C. (na quinta-feira da paixão, 7 de abril ou 14 de nisã).
A vida de Jesus Cristo
Temos quatro Evangelhos aceitos desde cedo pela Igreja como inspirados: Mateus, Marcos, Lucas e João. Mateus concentrou-se em falar aos judeus que Cristo era o Rei-Messias esperado. Marcos, em apresentar o aspecto prático do ministério do Senhor aos romanos. Lucas debruçou-se sobre a humanidade de Jesus, enquanto João o apresentou como o Filho de Deus, que salva os que creem – aqueles que o Pai lhe deu, aos quais chamou de “minhas ovelhas”.
Das narrativas evangélicas, depreende-se que além dos fatos da natividade, nada se falou sobre a infância de Jesus à exceção de Lucas 2.41-50, sendo certo que o Senhor recebeu formação na sinagoga e aprendeu o ofício do seu pai legal, José (cf. Mc 6.3). A concentração das narrativas está no ministério público e, sobretudo, na semana da paixão.
O ministério público de Jesus Cristo teve início em seu batismo por João Batista, que precedeu sua tentação no deserto e a escolha dos primeiros discípulos que seriam suas testemunhas e que continuariam sua obra sob a liderança do outro Consolador, o Espírito Santo.
Após o primeiro “sinal” na Galileia, em Caná, o Senhor fez breve visita a Jerusalém, momento em que realizou a primeira purificação do Templo (Jo 2) e teve uma audiência noturna com Nicodemus (Jo 3). Partindo para a Galileia através de Samaria, teve um encontro com a mulher samaritana (Jo 4).
Rejeitado em Nazaré (Lc 4.16ss), Jesus fez de Cafarnaum o centro do seu ministério, que foi sempre orientado pela convicção de que havia sido enviado às ovelhas perdidas da casa de Israel (cf. Mt 15.24). De Cafarnaum, o Senhor fez três viagens: na primeira, fez muitos milagres, dentre os quais a ressurreição do filho da viúva de Naim, concluiu o chamado dos discípulos e pregou o sermão do monte; na segunda, decidiu pelo ensino por parábolas (Mt 13) e fez outros milagres, como a cura do endemoninhado de Gadara e da filha de Lázaro; na terceira viagem, deu continuidade ao ministério de pregação, sempre acompanhado de curas. Nesse período, fez visitas breves a Jerusalém, nas datas das festas da páscoa.
Após esse grande ministério galileu, o Senhor fez um pequeno ministério em Jerusalém, ao tempo da Festa dos Tabernáculos, quando a animosidade dos fariseus e saduceus se acirrou contra Ele. Com o recrudescimento da oposição dos líderes judaicos, o Senhor foi à Peréia, onde fez breve ministério, e retornou para a última semana em Jerusalém, que culminou com a crucificação.
Ressurreto, o Senhor só apareceu aos seus discípulos e por espaço de quarenta dias. Em Sua última aparição, ratificou a promessa quanto à vinda do Espírito Santo e à Grande Comissão, ambas relacionadas ao testemunho que deveriam dar a respeito dele até aos confins da terra (At 1.8).