É corriqueiro afirmar-se nos círculos dispensacionalistas que a Segunda Vinda de Jesus é “iminente”, querendo com isso dizer-se que nenhum evento precisa acontecer antes da Parousia. Contra essa posição, o ensino do Novo Testamento parece apontar à outra direção, no sentido de que certas coisas devem se realizar realmente antes que Cristo volte. Por isso, propor que nenhum evento predito precisa ocorrer antes da Segunda Vinda é dizer demais. Os dados do Novo Testamento e o tempo de História da Igreja já percorrido militam contra essa ideia, razão pela qual devemos estar preparados para a possibilidade de que a Parousia esteja ainda distante.
Por outro lado, a afirmação categórica de que a Segunda Vinda ainda está muito distante é também dizer além do que a Escritura permite. O tempo exato da Parousia nos é desconhecido (Mt 24.36; Mc 13.32; At 1.7) e tudo o que podemos afirmar, e esse pode ser um sentido aceitável do que significa dizer que a volta de Cristo é “iminente”, é que ela está e sempre esteve por acontecer.
Observações gerais sobre os sinais
Antes de tecermos considerações acerca de cada um dos sinais da Segunda Vinda, convém registarmos as seguintes considerações.
Os sinais apontam para o que Deus fez no passado. Esse é o sentido primário da expressão sinais dos tempos (ta semeia ton kairon), conforme ocorre em Mateus 16.3: “Sabeis, na verdade, discernir o aspecto do céu, e não podeis discernis os sinais dos tempos”. Os fariseus tinham pedido um sinal da sua autenticidade por meio de um sinal dos céus, ao que Jesus responde com as palavras do texto citado. Sua resposta foi, na verdade, uma repreensão pelo fato de não terem sido capazes de discernir os sinais da presença do Messias entre eles, conforme preditos pelo profeta (Mt 11.5). Baseados nesses “sinais dos tempos”, os líderes religiosos deveriam ter percebido que o decisivo evento da vinda do Messias tinha se realizado. Percebamos, pois, que esses sinais, embora apontassem para o futuro, primeiramente apontavam ao passado e ao presente, ao que estava acontecendo naqueles dias. Os sinais dos tempos revelam que a grande vitória de Cristo foi conquistada e que, somente com base nesse fato, uma mudança decisiva na História tinha ocorrido.
Mas não só. Os sinais dos tempos também apontam para o futuro, para o fim da História e para a Parousia. Esses sinais não nos dizem sobre o momento exato da volta de Jesus, nem quando os eventos que acompanham a sua vinda ocorrerão, mas nos asseguram que essas coisas de fato ocorrerão com fundamento naquilo que Deus já fez no passado. Nesse sentido, a expressão de Jesus “e então virá o fim” e a de Paulo no sentido de que “aquele dia não virá, sem que primeiro venha a apostasia” corroboram o ponto e demarcam a certeza dos eventos para os quais os sinais apontam (Mt 24.14, 29, 30; 1Ts 2.3).
Os sinais, ademais, revelam que a História seria marcada pela contínua tensão entre o reino de Deus e os poderes do mal. De acordo com a parábola do joio, o trigo e o joio crescem juntos até a ceifa a realizar-se na consumação dos séculos. Com isso, deve-se esperar a coexistência contínua entre as forças das trevas (manifestas na aparição do anticristo, no incremento da apostasia e da iniquidade e na perseguição à Igreja) e o poder soberano de Deus realizando a edificação da Igreja e a pregação do evangelho às nações, com crescente expansão do reino Deus a despeito da resistência satânica. Essa tensão revela os sinais dos tempos como indicadores tanto da graça de Deus como da sua ira.
Mais que isso, os sinais dos tempos exigem uma decisão, como também um contínuo estado de vigilância por parte da Igreja. Jesus reprendeu seus contemporâneos por eles não terem discernido os “sinais dos tempos” e, por meio desses, continua a convocar os homens a crerem em seu Filho para que sejam salvos. Para os ímpios, entretanto, esses sinais não os impressionam, mas essa indiferença apenas acentua a sua condenação. Para os eleitos, esses sinais se tornam motivo de alegria porque por eles concluem que Deus conduz a História soberanamente e que a vinda de Jesus é certa, embora pareça demorada.
Que certa coisas devem acontecer antes que Cristo volte, sobre isso ainda nos debruçaremos. Mas já ressaltamos que o tempo exato da Parousia é desconhecido. Isso significa que uma vigilância contínua é requerida da Igreja. “Por causa disso”, pontua Anthony Hoekema, “não há contradição entre observar os sinais dos tempos e uma prontidão constante; é exatamente a natureza dos sinais que requer tal vigilância. Conforme Jesus disse: Portanto, vigiai, porque não sabeis em que dia vem o nosso Senhor” (Mt 24.42)”.
Conforme veremos na sequência, os sinais, por fim, têm estado presentes ao longo da era cristã. Eles já estavam presentes ao tempo em que o Novo testamento foi escrito, estiveram presentes ao longo dos séculos e estão presentes agora, razão pela qual eles têm relevância contínua à Igreja. Todavia, embora os sinais dos tempos tenham estado presentes ao longo de toda a História da Igreja, parece certo afirmar que alguns desses sinais assumirão formas cada vez mais intensas à medida em que a Segunda Vinda se aproxima, até se tornarem mais claros e culminarem no fim. A apostasia, por exemplo, será cada vez mais difundida e a perseguição redundará na “grande tribulação”, quando as forças do mal se manifestarão no “homem da iniquidade”.
O estudo do tema parece sugerir que há “sinais gerais”, caracterizadores de toda a era cristã (guerras, terremotos, fomes e falsos profetas), “sinais específicos”, sinalizadores da proximidade da Parousia (a proclamação do evangelho a todas as nações e a salvação da plenitude de Israel, tribulação, apostasia e anticristo) e o “sinal por excelência”, que acompanhará a vinda do Filho do Homem. Observaremos, entretanto, que os “sinais específicos” são tão somente intensificações de fenômenos recorrentes ao longo da História da Igreja, que, nesse sentido, assumem a feição de “sinais gerais”.
Hoekema reconhece a dificuldade de sistematizá-los, mas propõe a seguinte classificação: (1) Sinais que evidenciam a graça de Deus: a proclamação do evangelho a todas as nações e a salvação da plenitude de Israel; (2) Sinais que indicam oposição a Deus: tribulação, apostasia e anticristo; (3) Sinais que indicam julgamento divino: guerras, terremotos e fomes.
Todos esses sinais, com efeito, precisam ser analisados, o que faremos na sequência, deixando para tratar a salvação da plenitude de Israel no próximo estudo, de forma mais detida.
A proclamação do evangelho a todas as nações
O Antigo Testamento antecipou o período em que o Espírito seria derramado sobre toda a carne (Jl 2.28) e que os confins da terra veriam a salvação de Deus (Is 52.10; vide ainda Is 40.5; 42.6; 45.22). No sermão profético, Jesus Cristo predisse que o evangelho seria pregado a todas as nações antes da Segunda Vinda (Mt 24.14; Mc 13.10). Com isso, Jesus não quis dizer que cada pessoa da face da terra deveria ouvir o evangelho, nem tampouco se converter, mas que o evangelho tem de ser pregado por todo o mundo como um testemunho para todas as nações, isto é, para ser objeto da fé ou, se rejeitado, uma testemunha contra aqueles que o rejeitaram.
A pregação do evangelho a todas as nações é o sinal extraordinário e mais característico do tempo que transcorre entre a primeira vinda e a Parousia. “O período entre a primeira e a segunda vinda de Cristo é a era missionária por excelência”. Na Grande Comissão, esse sinal assume a forma de uma ordem (Mt 28.19).
Importante enfatizar que esse sinal não autoriza marcações da vinda Jesus. Não é possível determinar com precisão o momento em que o evangelho terá sido pregado a todas as nações, nem para quantos idiomas e dialetos a Bíblia deva ser traduzida, nem quantos membros de uma nação devam ser evangelizados para que se considere que o evangelho é uma testemunha para essa nação. Assim, somente Deus sabe quando esse sinal terá sido cumprido. “O fato de que o evangelho está sendo pregado por todo o mundo é um sinal que nos assegura que Cristo veio e está voltando novamente, mas não nos conta exatamente quando ele estará voltando outra vez”.
A tribulação
Trata-se de um sinal específico que indicia a proximidade da vinda de Jesus Cristo. Ele já foi predito no Antigo Testamento (Jr 30.7; Dn 12.1) e, no Novo Testamento, o sermão profético de Jesus tem muito a dizer sobre ele (Mt 24.3-51; Mc 13.3-37; Lc 21.5-36).
O que torna os textos paralelos do sermão profético complexos em sua interpretação é o fato de que Jesus está anunciando eventos de um futuro distante, que acompanharão a Parousia no fim dos tempos, em conexão com eventos do futuro próximo, relacionados à destruição de Jerusalém.
Na versão de Mateus, os discípulos inquirem Jesus sobre dois temas: (1) “Quando será isto?” indaga sobre a destruição do templo, predita por Jesus; e (2) “Qual será o sinal da tua vinda e da consumação do século?”, por sua vez, quer perquirir sobre a Parousia. O sermão responde essas perguntas de modo a mesclar os assuntos, ligando a destruição do templo (e de Jerusalém) com acontecimentos do fim, de modo que às vezes é difícil afirmar se Jesus está se referendo a um ou a outro período, ou a ambos.
O método de Jesus segue o dos profetas do Antigo Testamento, pelo qual eventos distantes um do outro são vistos como estando próximos. No caso do sermão profético, a destruição do templo (e de Jerusalém) é um tipo de eventos que ocorrerão no fim dos tempos e a descrição de eventos associados à Parousia é feita a partir da linguagem da vida e da experiência dos judeus na Judeia do primeiro século. Essa compreensão nos ajuda a concluir que a tribulação e o sofrimento descritos no contexto da vida da Palestina do primeiro século não podem ser interpretados como tendo que se referir somente aos judeus. “Jesus estava descrevendo eventos futuros com palavras que seriam inteligíveis a seus ouvintes, com palavras que tinham sentido étnico local e cor geográfica”.
Destarte, a tribulação é predita por Jesus como um sinal dos tempos que deve ser esperado por seu povo ao longo da era que transcorre entre a primeira vinda e a Parousia (Mt 24.9, 10). Considerando o contexto imediato segundo o qual a proclamação do evangelho se dará até o fim (v. 14), a tribulação mencionada não poderia estar limitada ao período imediatamente anterior à Segunda Vinda. Além do sermão profético, Jesus predisse a respeito de uma contínua experiência de sofrimentos a ser colhido por seu povo em outros momentos (Mt 5.10-12; Jo 15.20; 16.33). Por essa razão, esse sinal dos tempos ocorre como um sinal geral, caracterizar da presente era.
Mas não só. No sermão profético, Jesus fala a respeito de uma tribulação final que está reservada a seu povo, uma tribulação para a qual a destruição de Jerusalém seria apenas um tipo. Veja-se, v. g., Mateus 24.21, 22. “As palavras “Não tem havido, e nem haverá jamais” e a referência ao abreviamento dos dias por causa dos eleitos indicam que Jesus está predizendo uma tribulação tão grande que superará qualquer tribulação que a possa proceder”. O que está sendo divisado na passagem é uma tribulação que está para além da tribulação que se abateu sobre os judeus no primeiro século, para uma tribulação final que ocorrerá no final desta era, que precederá imediatamente a Segunda Vinda (v. 29, 30). Não há base escriturística para restringir-se essa tribulação final aos judeus e excluir-se dela os cristãos gentios. Se os cristão devem suportar a tribulação ao longo do período entre as duas vindas, por qual motivo a tribulação final deveria ficar restrita aos judeus?
Em suma, há uma tribulação contínua, que ocorre com um sinal geral caracterizador da presente era, bem como haverá uma tribulação final, uma “grande tribulação” que se abaterá sobre o povo de Deus imediatamente antes da Parousia. Essa tribulação final será nada além de uma forma intensificada da tribulação característica de toda esta era.
A apostasia
A História do antigo Israel é uma decepcionante narrativa de contínua apostasia. Das peregrinações no deserto ao reino dividido, passando pelo período dos juízes, o que se vê é uma apostasia em larga escala. No Novo Testamento, há notícia tanto a respeito de uma apostasia contínua em relação à verdadeira adoração a Deus, um sinal encontrado ao longo de toda a presente era (Hb 6.6; 10.29; 2Pe 2.20; 1Jo 2.19; 1Tm 4.1; 2Tm 3.1-5; Mt 24.10-12), como uma apostasia final que precederá à Parousia (Mt 24.24).
A passagem de 2Tessalonicenses 2.1-3 precisa ser observada neste ponto. Os tessalonicenses achavam que a Parousia já estava no processo de chegada. Levados por essa compreensão, muitos tinham deixado de trabalhar (3.11). Por isso, Paulo passou a corrigi-los, afirmando que certas coisas tinham que acontecer antes da aparição de Jesus Cristo em glória, que teriam que haver a grande apostasia e a revelação do homem da iniquidade. No v. 3, a palavra “apostasia” (gr. aphistemi) é precedida por um artigo: “a apostasia”.
Tanto o artigo como a afirmação de que esse fenômeno deveria acontecer antes da Segunda Vinda de Cristo apontam para uma apostasia final, imediatamente anterior ao tempo do fim, mas como uma intensificação de uma apostasia recorrente ao longo desta era. É o que se pode concluir do v. 7: “Com efeito, o mistério da iniquidade já opera”. Assim, há um paralelismo entre a apostasia e a tribulação: ambos são evidentes ao longo da presente era, mas ambos chegam ao clímax e sua forma final imediatamente antes da vinda de Cristo.
Se considerarmos que essa apostasia é um abandono da fé cristã, podemos concluir que aqueles que a abandonaram estiveram associados ao povo cristão. E, se a apostasia ocorrerá no seio do povo de Deus, é igualmente esperado que o sinal paralelo da tribulação se abata precisamente sobre ele.
À toda evidência, não se olvide, os crentes verdadeiros não apostatarão (Jo 10.27, 29; 1Pe 1.3-5).
A aparição do homem da iniquidade
O sinal da apostasia está associado à aparição do homem da iniquidade, conforme se depreende de 2Tessalonicenses 2.3. Paulo sugere, ao relacionar os sinais com o “e”, que o homem da iniquidade se levantará da apostasia, embora a própria apostasia seja intensificada com o aparecimento do homem da iniquidade (vs. 9, 10). “Portanto, podemos esperar que esta apostasia final fique ainda pior após o aparecimento do homem da iniquidade”.
O Antigo Testamento também predisse a respeito desse sinal. O profeta Daniel se refere ao homem da iniquidade como o “pequeno chifre” (7.25). Embora essa profecia tenha se cumprido primeiramente nos feitos de Antíoco Epifânio (1Mac 1.49; c. 168 a.C.), a passagem alude, como também Daniel 11.36, a um cumprimento final no anticristo mencionado no Novo Testamento.
Demais disso, há duas passagens em Daniel que se referem ao “abominável da desolação”: 11.31 e 12.11. Os intérpretes entendem que essas passagens se cumpriram também em Antíoco Epifânio (1Mac 1.45, 46, 56; 2Mac 6.2). A expressão “a abominação desoladora” ocorre no original grego de 1Macabeus 1.54, a mesma usada na Septuaginta nas passagens de Daniel.
Ocorre que Jesus Cristo se referiu a essas passagens de Daniel em seu sermão profético (Mt 24.15; Mc 13.14), quando a profanação do templo por Antíoco Epifânio já tinha ocorrido. Assim, predisse um segundo cumprimento da profecia, que teve lugar no ano 70 d.C. com a destruição do templo pelo imperador romano Tito.
Mas, conforme já registramos, o sermão profético de Jesus anteviu um cumprimento em um futuro próximo como um tipo dos eventos de um futuro distante. Por isso, devemos esperar que haverá um terceiro cumprimento do “abominável da desolação” predito por Daniel, que ocorrerá ao tempo do fim e envolverá o anticristo referido no Novo Testamento (2T 2.4).
No sermão profético, entretanto, Jesus predisse que haveriam precursores do anticristo ao longo de toda esta era (Mt 24.23, 24). Os sinais e prodígios operados pelos falsos cristos pretendem levar o povo ao engano, o que antecipa a predição paulina de 2Ts 2.9.
O termo “anticristo” (gr. antichristos, “no lugar de Cristo”) ocorre somente nas epístolas de João (1Jo 2.18, 22; 4.3; 2Jo 7). Em 1 Jo 4.3, João afirma que a negação da encarnação de Cristo procede do espírito do “anticristo”, quando o termo é usado com sentido impessoal. Em 1Jo 2..2 e 2Jo 7, o “anticristo” assume feição pessoal, visto que precedido por artigo definido, mas que já estava presente nos dias de João, quando o termo é usado para descrever as pessoas que defendiam a heresia gnóstica incipiente da época.
Entretanto, em 1Jo 2.18, João tanto menciona anticristos presentes no seu tempo (falsos mestres que negavam que Cristo veio em carne) como um anticristo que está por vir, para o qual aqueles eram precursores. A expressão “como ouvistes que vem o anticristo” indica que João esperava um anticristo pessoal no fim dos tempos, assim como a Igreja Primitiva. Isso sugere que o sinal do anticristo tanto é um sinal geral, característico de toda a presente era, como um sinal específico a apontar a proximidade da Parousia.
Mas o ensino neotestamentário mais claro acerca do anticristo está em 2Ts 2.1-12, identificado na passagem como o “homem da iniquidade”. Nesse texto, Paulo está falando a leitores que imaginavam que a Segunda Vinda já estava em processo, momento em que lhes disse que certas coisas devem acontecer antes que venha o “dia do Senhor”. Um desses acontecimentos é a grande apostasia, sobre a qual já comentamos. O outro é o “surgimento do Homem da iniquidade”, a respeito de quem o apóstolo diz o seguinte: (1) ele aparecerá na grande apostasia (v. 3); (2) ele será uma pessoa (vide vs. 3, 4, 6, 8); (3) será objeto de adoração (v. 4); (4) ele fará uso de milagres enganosos e ensino falso (vs. 9, 11); (5) será revelado após ser removido aquilo que o detém (vs. 6, 7); (6) será totalmente destruído por Cristo na Segunda Vinda (v. 8).
Em conclusão, o sinal do anticristo está presente em toda a presente era, mas ele será intensificado na aparição do “homem da iniquidade”, pouco antes de Cristo retornar.