Visões do fim na ciência e na filosofia
A religião e a ciência sempre estiveram convencidas que deve haver um fim na história do mundo. Há muitas considerações que estabelecem a duração finita do mundo além de qualquer dúvida. Há indicativos de que a velocidade rotacional da Terra diminui pelo menos um segundo a cada 600 mil anos, o que desencadeia uma reversão nas relações entre dia e noite e o fim de toda a vida, ainda que somente passados bilhões de anos. A Terra move-se cada vez mais para perto do Sol e, por fim, deve desaperecer. O Sol também não pode durar para sempre, cujo calor se esgota gradativamente. De acordo com Robert Thompson, o diâmetro do Sol diminui 35 metros por ano e, como ele brilha há cerca de vinte milhões de anos, só lhe restam agora uns dez milhões de anos.
Outros fatores se aliam para argumentar-se em favor da finitude do mundo, a exemplo do esgotamento das riquezas da Terra, notadamente quando a população mundial começar a se expandir, a ponto de ameaçar sua sobrevivência.
Enfim, do ponto de vista da ciência, não há lugar para uma perspectiva otimista do futuro.
Por outro lado, não tem faltado quem alimente a ilusão de um progresso permanente e de um futuro paraíso da humanidade no presente mundo. Humanistas e materialistas alimentam essas ilusões. Argumentam que o aumento de bens e o progresso da ciência, da arte e da moralidade e o aumento na abundância de alimentos, abrigo e vestuário garantem que a felicidade da humanidade será um dia plenamente realizada. Kant, Lessing, Herder, Fichte, Schelling e outros preveem um futuro no qual o reino ético de Deus abrangerá todos os seres humanos. Ainda mais extravagantes são as expectativas dos socialistas, esses milenistas da incredulidade, que pensam que, no estado futuro de sonhos, todo pecado e luta terão desaparecido e uma vida despreocupada será o privilégio de todos.
Entretanto, mesmo que surgisse uma época de aumento de prosperidade e de maior felicidade, qual seria a vantagem se, como a ciência ensina, toda evolução termina em morte e aniquilação? O fato é que a humanidade é finita e, portanto, a civilização humana não pode ser concebida como não tendo fim. Pela perspectiva da ciência, há muito mais razão para aceitar o pessimismo de Schopenhauer e Eduard von Hartmann, que preconiza a aniquilação do próprio mundo.
Por fim, deve-se registrar que toda a religião tem uma perspectiva do fututo e, contrariando as perspectivas filosóficas, ela discorda tanto de um desenvolvimento sem fim como da ruína total do mundo. Isso ocorre porque a filosofia só confia em forças imanentes do cosmos e não leva em conta o poder divino que governa o mundo e faz com que o mundo cumpra o propósito estabelecido por ele.
O futuro segundo o Antigo Testamento
Todos os profetas proclamam a Israel e Judá um dia de punição, que afligiria inclusive a nação eleita. O povo seria exilado e sua terra devastada (Is 2.11ss; 5.5ss; 7.18; Jr 1.11-16; Os 1.6; 2.11; 3.4 etc.; Jl 2.1ss; Am 2.4ss; 5.16,18,27; Mq 3.12; 4.10; 7.13; Hc 1.5-11; Sf 1.1-18; etc.). Mas essa punição seria temporária (Os 3.3; 6.2; Jr 25.12; 29.10; Ez 4.4ss), porque a disciplina de Deus sobre seu povo é moderada e Ele só o abandona por pouco tempo (Is 27.7ss; Jr 30.11; 31.3,20; Is 54.7-8; Mq 7.19). Ele ama o seu povo e não o destruirá, mas o redimirá por amor ao seu próprio nome (Am 9.8,9; Os 11.8; Ez 16.60; Dt 32.27; Is 43.25; 48.9; Ez 36.22ss).
Findo o tempo de punição, Deus enviaria o Messias da casa de Davi, cujo tabernáculo caído seria soerguido (Am 9.11). Israel deveria se arrepender e buscar o Senhor e Davi como seu rei (Os 1.11; 3.5). Miquéias diz que Israel seria salvo dos seus inimigos quando o rei da casa de Davi nascesse em Belém (Mq 5.1,2), fato a demonstrar o estado de humildade da casa real. Por isso os profetas falam de um “renovo” nascendo do tronco de Jessé (Is 4.2; 11.1-2; Ez 17.22; Jr 23.5-6; 33.14-17; Zc 3.8; 6.12). Esse filho de Davi cresceria em pobreza (Is 7.14-17) e seria um rei justo, bondoso e humilde (Zc 9.9) que uniria a dignidade real à profética (Dt 18.15; Is 11.2; Ml 4.5) e à sacerdotal (Sl 110; Is 53; Jr 30.21; Zc 3; 6.13). Seu reino seria de justiça e paz (Sl 72; 100; Is 11; Mq 5.10) e Ele mesmo obteria salvação para seu povo (Sl 72; Is 11; 42; 53; Jr 23.5-6; etc). Judá só seria redimido quando Deus desse o renovo à casa de Davi (Is 9.1-7; Is 11.1ss: Jr 23. 5-6; 33.14-17).
Dentre os benefícios promovidos pelo Messias está o retorno do exílio à terra (Is 11.11; Jr 3.18; Ez 11.17; Os 11.11; Jl 3.1; Am 9.14; Mq 4.6; etc.). Esse retorno, no qual tomariam parte Israel e Judá (Is 11.13; Jr 3.6,18; 31.27; 32.37-40; Ez 37.16-17; 47.13,21; 48.1-7, 23-29; Os 1.11; 14.1-8; Am 9.9-15), é descrito em termos esplêndidos (Is 35.1-9; 41.17-20; 42.15-16; 43.19-20; etc.). Entretanto, o retorno do exílio babilônico seria apenas um cumprimento parcial dessa expectativa, razão pela qual os profetas pós-exílicos interpretaram-no apenas como o início da realização das promessas e, à exceção de Zacarias (Zc 8.13), não falaram mais das dez tribos. Os exilados que voltaram se viram como representantes de todo o Israel (Ed 6.17).
Fato é que os profetas predisseram que, embora o Senhor não viesse a destruir a casa de Jacó, Ele a peneiraria (Am 9.8-10). Esse retorno está relacionado a um retorno ético (Ez 20.34ss; Os 2.13), dito em termos de uma circuncisão do coração (Dt 30.3-6). Não que todos os membros étnicos de Israel devessem retornar à Palestina e se voltar ao Senhor. Somente um remasnecente voltaria (Is 4.3; 6.13; 7.3-25; 10.21; 11.11; Jr 3.14; Zc 13.8-9), que seria um povo santo ao Senhor (Is 4.3-4; Is 11.9; Os 1.10-11; 2.15.18.22), perdoado, purificado, justo, sem idolatria e feitiçaria, possuidor de um novo coração e em quem Deus derramaria seu Espírito (Is 43.25; 44.21-23; 60.21; Jr 31.31; Ez 11.19; 36.25-28; 37.14; Jl 2.28; Mq 5.11-14; Zc 13.2; etc.). Os impuros não habitariam entre eles (Is 52.1, 11-12). Tudo seria santo, até mesmo as campainhas dos cavalos (Zc 14.20-21), pois a glória do Senhor nasceria sobre eles (Is 60.1; Zc 2.5) e o próprio Deus habitaria entre eles (Os 2.22; Jl 3.17; Ob 21: Zc 2.10: 8.8; etc.). Esse retorno também inclui a expectativa da restauração de Jerusalém, do templo e da adoração no templo (Jr 3.16-17; 30.18; 31.38; 33.18,21; Ag 2.6-10; Zc 1.17; 2.1-5; 3.1-8; 6.9-15; 8.3; etc.).
Junto com os benefícios espirituais, a restauração de Israel e Judá vem acompanhada de renovações magníficas em todos aspectos. Não haverá mais guerra (Os 2.18; Mq 5.10-11). Israel viverá seguro sob o governo do Príncipe da Paz (Is 2.4; Mq 3.3-4; Jl 3.16,17; Ob 21). A terra se tornará extraordinariamente fértil (Is 32.15-20; 51.3; 60.17-18; 62.8,9; 65.9,22; Jr 31.6, 12-14; Ez 34.14, 25-26, 29; 36.29; 47.1-12; Os 2.15, 18-19; 14.5-7; Jl 3.18; Am 9.13-14; Zc 8.12; 14.8,10). Os animais receberão uma nova natureza (Is 11.6-8; 65.25) e os céus e a terra serão renovados e as primeiras coisas terão passado (Is 34.4; 51.6; 65.17; 66.22). A luz do sol e da lua será alterada (Is 30.26) e, na realidade, nem mais existirão, porque haverá um dia contínuo e o Senhor será a luz eterna do seu povo (Is 60.19-20; Zc 14.6-7). Não haverá mais enfermidade, nem luto, nem choro (Is 25.8; 30.19; 65.19), porque o Senhor destruirá a morte, tragando-a em vitória (Is 25.7). A longevidade será a marca daquelas bênçãos (Is 65.20; Zc 8.4-5).
Nesse dia, a Palestina ficará em festa (Mq 2.12-13). Os israelitas que morreram também participarão dessas bênçãos e todo o Israel será trazido à vida (Is 25.8; 26.19; Ez 37.1-14; Dn 12.2; Os 6.2). Os gentios também desfrutarão dessas bênçãos do reino de Deus. Apesar de os profetas terem anunciado juízo sobre vários povos (Filístia, Tiro, Moabe, Amom, Edom etc.), previram também como efeito final a salvação dos gentios (Gn 12.3; Sl 2; 21; 24; 45; 46; 47; 48; 68; 72; 86; 89; 98; etc.). Embora sejam julgados, todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo (Jl 3.2-15; 2.32; Mq 4.1-2; 5.3ss; Is 18.7; 19.18-25; 23.15-18; 25.6-10). O servo do Senhor será uma luz para os gentios e, a casa do Senhor, uma casa de oração para todos os povos (Jr 3.17; 4.2; 16.19-21; 33.9) e todos os povos reconhecerão que o Senhor é Deus (Ez 16.62; 17.24; 25.5ss; 26.6; 28.22; 29.6; 30.8-26).
A partir do que foi exposto, podemos chegar às seguintes conclusões a respeito da escatologia do Antigo Testamento:
Em primeiro lugar, o futuro, sob a ótica dos profetas do Antigo Testamento, seria um tempo em que Israel viveria seguro na terra, sob o reinado da dinastia de Davi e governaria sobre as nações. Não há previsão específica para a entrada dos crentes na glória, no fim dos tempos.
Em segundo lugar, o Antigo Testamento menciona apenas uma vinda do Messias, sem jamais separar o estado de humilhação do seu estado de exaltação. Essa vinda reúne ambas em só imagem e jamais faz distinção entre a primeira e a segunda, tampouco afirma que a primeira vinda é para salvação e a segunda para julgamento, muito tempo depois da primeira. Nessa única vinda prevista, o Messias concede justiça e bem-aventurança ao seu povo e lhe dá o domínio sobre todos os povos da terra, estabelecendo o reino completo de Deus.
Em terceiro lugar, a profecia do Antigo Testamento também não espera que, após Cristo tiver exercido seu governo, Ele entregue seu reino a Deus. O reino messiânico não é um estado intermediário que, por fim, deve submeter-se a um governo divino no céu. O reino messiânico é o estado final, no qual se realizam todas as bênçãos espirituais e materiais. A imagem projetada parte da história e da nação de Israel. Isso quer significar que o Antigo Testamento não interpreta o reino messinânico como um reino provisório e temporário, mas como o fim e o resultado da história do mundo.
Em quarto lugar, a partir dessas formas terrenas o Antigo Testamento projeta um conteúdo eterno e espiritual. O retorno do exílio e a verdadeira conversão coincidem. O Messias é um governante terreno, mas também um rei eterno, um Pai eterno para seu povo, um rei-sacerdote. As vitórias políticas de Israel se confundem com o aspecto religioso, por isso os inimigos são submetidos a Israel, mas, no processo, reconhecem que o Senhor é Deus e o servem no seu templo. O templo, o sacrifício e a adoração sacrificial são provas visíveis que todos os cidadãos do reino servem a Deus com novos coração e espírito e que andam nos seus caminhos. A fertilidade extraordinária da terra pressupõe uma transformação total da natureza., a criação de um novo céu e uma nova terra, a casa eterna dos justos.
Conclusão
No Antigo Testamento, o futuro é descrito em imagens derivadas das circunstâncias históricas que predominavam na época – Sião e Jerusalém, templo e altar, sacrifício e sacerdócio. Esses elementos terrenos eram transitórios, porque eram apenas uma imagem do que é celestial, e o que é transitório funciona apenas como uma analogia.
O próprio Antigo Testamento já possui suficientes indicadores que costumes de Israel apontam para realidades espirituais. A verdadeira circuncisão é a do coração (Dt 10.16; 30.6; Jr 4.4). Os sacrifícios agradáveis a Deus são o coração quebrantado e o espírito contrito (1Sm 15.22; Sl 40.6; 50.8ss; 51.17; Is 1.11ss; Jr 6.20; 7.21ss; Os 6.6; Am 5.21ss; Mq 6.6ss). O verdadeiro jejum é desatar os laços da injustiça (Is 58.3-6; Jr 14.12). A essência da dispensação futura consiste em que o Senhor fará uma nova aliança com o seu povo, na qual Ele lhe dará um novo coração e derramará nele o seu Espírito (Dt 30.6; Jr 31.32-34; 32.38ss; Ez 11.19; 36.26; Jl 2.28; Zc 12.10).
Posto isso, devemos prosseguir para verificar o que o Espírito de Cristo desejou comunicar com a profecia do Antigo Testamento e isso é determinado pelo Novo Testamento, que é a conclusão, o cumprimento e, portanto, a interpretação do Antigo.
O Antigo Testamento, tal como o vê o Novo Testamento, isto é, despojado de sua forma temporal e sensorial, já é o próprio Novo Testamento apresentado por meio de imagens gráficas e revestido de formas nacionais. Nesse sentido, o Novo Testamento diz que o Antigo era “sombra das coisas que haviam de vir” (Cl 2.17), “figura das coisas celestes” (Hb 8.5). O Novo Testamento é a verdade, a essência, o núcleo e o conteúdo do Antigo Testamento. O Antigo Testamento é revelado no Novo, e o Novo está escondido no Antigo.