Criação de Filhos

A Proteção do Casamento – Lição 10/13

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Introdução

Já sabemos que, a despeito de não haver uma promessa, em tempo algum, nem na antiga, nem na nova aliança, no sentido de que as crianças do povo do pacto são, sem exceção alguma, parte do povo eleito de Deus para gozar as bênçãos da vida eterna, Deus continua lidando com famílias, dando-lhes sua revelação e, por meio delas, separando um povo santo para si. Já vimos também como esse modelo foi protegido no Antigo Testamento. 

A nossa questão agora é saber se há uma proteção semelhante no Novo Testamento, e como se dá essa proteção.Comecemos pela proteção do casamento contra o divórcio, o que nos leva a refletir sobre 1Coríntios 7.10-16.

A passagem é parte de uma resposta do apóstolo Paulo a uma carta da igreja de Corinto a ele, contendo uma série de perguntas, dentre outros temas, sobre a relação entre casamento, sexualidade e espiritualidade (1Co 7.1). Os irmãos de Corinto desejaram saber se a sexualidade constituía algum tipo de obstáculo ao crescimento espiritual e à comunhão com Deus, sobretudo nas hipóteses de casamentos entre crentes e descrentes. Manter um casamento com descrente não traria prejuízo à fé? Não seria melhor ao crente se separar do descrente com vistas a uma vida cristã mais consagrada a Deus?

Pois bem, Paulo aborda essas questões a partir de três cenários: (1) quando ambos os cônjuges são crentes (vs. 10,11); (2) quando há um crente e um descrente, mas este deseja manter o casamento (vs. 12-14); e (3) quando há um crente e um descrente, mas este deseja se separar daquele (vs. 15,16).

Quando ambos os cônjuges são crentes (vs. 10,11)

Nesse cenário, Paulo ordena que “a mulher não se separe do marido… e que o marido não se aparte da mulher”. As palavras “separar” e “apartar” são sinônimas e indicam a proibição aos crentes de se divorciarem. Paulo diz “ordeno, não eu, mas o Senhor” porque Jesus havia ensinado sobre o tema. Ou seja, Paulo está dizendo que a ordem que impõe aos crentes de Corinto não é outra, senão a que Jesus mesmo havia dado e sido preservada nos Evangelhos (Mt 19.3-12; Mc 10.2-12; Lc 16.18). 

O ensino de Jesus é que o divórcio é biblicamente aceitável (não biblicamente imposto) se houve adultério de uma das partes. Quanto àqueles que se divorciam por outros motivos e se casam novamente, cometem adultério, e, os que se casam com os divorciados nessas circunstâncias, cometem adultério. Notemos o que diz o Senhor Jesus: divórcio que não seja motivado por adultério é pecado, é separar o que Deus uniu, e novo casamento com pessoa divorciada que não tenham sido vítima de adultério é um adultério.

Entretanto, é evidente que Paulo está lidando com questões complexas demais e, conhecendo ele a dureza do coração humano, previu situações nas quais o divórcio vem a acontecer, quer por desobediência ao mandamento de Jesus, quer por razões que extrapolam todos os limites do razoável, a exemplo de violência contra a mulher. Por isso é dito: “se, porém, ela vier a separar-se”. Não é para se separar, mas separações ocorrem por motivos variados, para além do adultério. O que fazer nessas situações? Que não ingresse em novo casamento (“que não se case”), ou que retome o casamento com o cônjuge original (“que se reconcilie com seu marido”). 

Percebamos que não há espaço para novo casamento legítimo perante Deus na hipótese de não ter ocorrido infidelidade.  

Quando o cônjuge descrente deseja manter o casamento (vs. 12-14)

O segundo cenário é o de um crente que deseja a separação e o descrente quer manter o casamento. A orientação clara do apóstolo para esta situação é que o cônjuge crente não pode abandonar o cônjuge descrente, ainda que em nome da nobre causa da comunhão com Deus. 

Para essa circunstância particular, Paulo adverte: “Aos mais digo eu, não o Senhor”. Ou seja, esta orientação particular não foi contemplada no ensino de Jesus, também porque Jesus ensinou no contexto de famílias judaicas, com menos probabilidade de casamentos mistos. Mas à medida em que a Igreja foi se tornando mais e mais gentílica, pessoas já casadas se convertiam e situações como a projetada por Paulo passaram a ocorrer com muito mais frequência. 

Assim, Paulo está alertando que para esse caso específico Jesus não deixou nenhum ensino claro, mas ele, como enviado de Jesus Cristo e autorizado a falar em seu nome tem a orientação do Espírito para a hipótese, qual seja: ao crente casado com descrente que consente em manter o casamento não é dada a opção de se divorciar por esse motivo.

Paulo também ensina as razões para essa proibição (v. 14). São duas: a santificação do cônjuge descrente e a santificação dos filhos. Primeiro, diz que “o marido incrédulo é santificado no convívio da esposa, e a esposa incrédula é santificada no convívio do marido crente”. Se os coríntios pensavam que o convívio com um cônjuge descrente os tornaria impuros, a verdade é exatamente a oposta: o cônjuge descrente é que é santificado pelo convívio com o(a) crente. Paulo assevera que a influência dominante da relação é a do crente. 

Naturalmente, a passagem não implica a conclusão que o casamento é o meio mais eficaz já concebido de evangelização, como se o casamento com o crente garantisse fora de qualquer dúvida que o descrente, por causa do convívio com o crente, seria ipso facto regenerado, convertido, justificado e santificado. 

A palavra “santificar” aqui tem sentido mais amplo de um viver afastado de pecados mais grosseiros, como se o crente fosse também um instrumento da graça comum do Espírito (para além da possibilidade real de o descrente vir a abraçar a fé), que impede o que poderia desembocar em degeneração moral ainda mais abjeta. O cônjuge crente pode dizer assim, com justiça: “meu marido descrente [ou minha esposa descrente] poderia ter uma vida moral muito mais degradante, não fosse a graça comum de Deus que opera através do nosso casamento”. Sim, com efeito, como o descrente é abençoado pelo convívio com o cônjuge crente!

Segundo, o apóstolo acrescenta que “Doutra sorte, os vossos filhos seriam impuros; porém, agora, são santos”. Isto é, a bênção advinda da preservação do casamento, inclusive com o cônjuge descrente que consente com isso, alcança não só o cônjuge descrente, mas também os filhos. 

Não esqueçamos o princípio que está orientando toda a argumentação. Paulo está listando motivos pelos quais um crente não deve tomar a iniciativa do divórcio, inclusive quando casado com o descrente. A razão fundamental é esta: todos ganham com a continuidade do casamento, o marido descrente e os filhos do casal. Aquilo que Paulo disse com respeito ao cônjuge descrente se estende aos filhos. 

Ressalta-se que ser “santos” não significa que os filhos de um crente já nascem automaticamente regenerados e justificados, mas que são tremendamente privilegiados não só pelo convívio com um pai cristão ou com uma mãe cristã, mas que se beneficiam da própria preservação do casamento dos seus pais.

Relembro o propósito do apóstolo: oferecer motivos pelos quais o casamento deve ser mantido. O que Paulo deseja, em última instância, é ressaltar as bênçãos morais e espirituais que os filhos auferem a partir do casamento preservado dos seus pais. Por outro lado, é forçoso concluir que os filhos colhem prejuízos morais e espirituais com a separação dos seus pais, não apenas pela possível perda do convívio com o pai cristão ou com a mãe cristã, o que já seria muito grave, mas pelo só fato de perderem a oportunidade de crescer e se desenvolver em ambientes com a presebça do pai e da mãe. É somente assim que o argumento de Paulo faz sentido: que a separação dos pais, em si mesma, priva os filhos de certas bênçãos de Deus que só podem ser fruídas no ambiente de famílias íntegras.

Há, de fato, estudos que pretendem demonstrar que o divórcio deixa marcas indeléveis nos divorciados, mas especialmente em seus filhos. Esses “filhos do divórcio” estão fadados a carregar para o resto da vida sequelas morais, espirituais e emocionais da experiência da separação dos pais. A razão disso é que lhes foi tolhido o privilégio de crescerem em uma família estável, com referenciais masculino e feminino indispensáveis à própria formação da personalidade, o ambiente adequado para o desenvolvimento da sua moralidade e, sobretudo, da sua espiritualidade.

Quando o cônjuge descrente deseja o divórcio (vs. 15,16)

Eis o último cenário proposto por Paulo: o cônjuge descrente está decidido a se divorciar. Nesse caso, o crente pode aceitar a separação: “se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em tais casos, não fica sujeito à servidão nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem chamado á paz”. 

O termo “apartar” é usado no sentido de “divorciar” (usado no ensino de Jesus sobre divórcio, em Mateus 19.6 e Marcos 10.9). O crente deve aceitar o divórcio porque, nesse caso, não está obrigado a viver na “escravidão” de um casamento com alguém que já decidiu abandoná-lo. O crente, na hipótese aventada, está livre dessa escravidão, podendo inclusive realizar novas núpcias legítimas perante Deus.

Além disso, se Deus “vos chamou para a paz”, que o crente conceda o divórcio de maneira pacífica ao cônjuge já resoluto quanto a isso. Essa abordagem do apóstolo é impressionantemente atual, sobretudo considerando os frequentes casos de feminicídio motivados pela revolta do marido ante o desejo da mulher de se divorciar. Nós, cristãos, não cometemos feminicídio quando abandonados, nem maltratamos sequer com palavras desabonadoras aquele(a) que nos abandonou, porque somos pessoas chamadas por Deus para viver em paz com os nossos semelhantes! 

Mas Paulo não pensou tanto nisso como cogitou o caso de um crente que se negava a dar divórcio ao descrente com o propósito de ser usado por Deus para levá-lo à fé. De fato, não é incomum que o convívio com o crente resulte na conversão do descrente. Mas não é certo que isso sempre ocorrerá. Manter alguém ao lado sob pressão (e opressão) para conduzi-lo à salvação não garante o sucesso da empreitada: “como sabes, ó mulher, se salvarás o teu marido? Ou, como sabes, ó marido, se salvarás tua mulher?” (v. 16). Segundo Paulo, devemos deixar ir, do ponto de vista emocional inclusive, quem já arrumou as malas.

Conclusão

Nem sempre é possível manter um casamento. É especialmente difícil manter um casamento com quem não quer permanecer casado. Superadas todas as tentativas de preservação do matrimônio, às vezes nada resta senão consentir com o cônjuge que deseja o divórcio. 

Entretanto, a preservação do casamento é sempre a coisa mais desejável a ser feita. Casamentos preservados trazem benefícios a todos: ao crente que obedece a ordem de não separar o que Deus uniu; ao descrente da relação, que sofre a influência moral do crente (para dizer o mínimo); e aos filhos, que têm o privilégio de colher aquelas bênçãos que podem ser colhidas apenas no ambiente de uma família estável. 

Permanece, pois, a verdade que Deus preserva casamentos para o fim de separar para si um povo exclusivamente seu.

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