Criação de Filhos

As Instruções de Provérbios – Lição 8/13

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Introdução

“Provérbios” pertence a um tipo específico de literatura do Antigo Testamento denominado “Literatura de Sabedoria” ou “Sapiencial”. Nesse segmento se incluem também os livros de Jó e Eclesiastes. O livro é basicamente um manual para a justiça diária, um compêndio de dizeres sábios inspirados pelo Espírito Santo sobre como viver piedosamente e produzir frutos de justiça. Provérbios é o livro ético do Antigo Testamento.

A tradição hebraica atribui a autoria do livro a Salomão, um rei, um filho de Davi muito sábio que compôs cerca de 3 mil provérbios (1Rs 4.29, 32), dos quais apenas pouco mais de uma quarta parte foi preservada em Provérbios. Ele mesmo escreveu os primeiros 25 capítulos e os homens de Ezequias compilaram os provérbios de Salomão dos capítulos 25 a 29. O capítulo 30 foi escrito por Agur e, o 31, por Lemuel.

O tema de Provérbios é “sabedoria”, considerada como uma habilidade para viver a vida, da maneira mais prática possível, de acordo com a vontade de Deus. Entretanto, em Provérbios, a sabedoria também é uma Pessoa eterna (8.22-26), criadora de todas as coisas (8.27-29) e amada por Deus (8.30-31). Não podemos esquecer quem é a sabedoria de Deus: Jesus Cristo (1Co 1.30). O quadro da sabedoria pertsonificada descrita no livro é semelhante ao conceito de logos, em João 1.1.

Nos primeiros 9 capítulos do livro de Provérbios encontramos sermões mais ou menos longos. A forma muda a partir do capítulo 10, quando aparecem os provérbios propriamente ditos, dizeres em versículos completos em si mesmos, quando em cada um deles se contempla uma unidade de pensamento. A partir do capítulo 22.17, os temas e as formas variam. 

O conceito de “provérbio”

O termo “provérbio” traduz a palavra hebraica “mashal”, cuja raiz significa “ser como”, tendo, portanto, o sentido primário de comparação ou similitude. Os provérbios propriamente ditos são dizeres concisos que expressam verdades ou máximas extraídas da experiência e da observação. No entanto, os provérbios de Provérbios não são quaisquer provérbios, são os provérbios de Salomão, filho de Davi, rei de Israel, homem a quem Deus concedeu sabedoria em uma medida generosíssima. Salomão foi um rei rico que viveu em um reinado pacífico, pano de fundo que explica a ocasião propícia para a investigação filosófica dos objetivos da vida, como encontramos em Eclesiastes, que também contém provérbios.

Assim, como deveríamos ler e ouvir Provérbios? Com temor e tremor, porque estamos diante da Palavra de Deus, e com alegria, porque estamos a ouvir/ler joias que emanam da mente do Eterno.

Provérbios 22.6

Um dos temas muitíssimo relevantes tratados em Provérbios revela o dever e a forma quanto à educação dos filhos. Nesse sentido, Provérbios 22.6 merece atenção especial: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele”. De plano, já destacamos que ensinar é uma ordem divina. Esse provérbio é um mandamento, não uma sugestão, uma faculdade. É uma responsabilidade e também um privilégio receber de Deus a tarefa de treinar filhos para servi-lo. A passagem ainda nos conduz às seguintes considerações:

O valor da disciplina

A passagem revela o valor da disciplina. Eis a lição mais primária do texto: ensinar a criança funciona, a tarefa é eficaz. Uma criança bem treinada temerá ao Senhor mesmo na velhice, tenderá a seguir o caminho no qual foi posto ao longo da vida e a imitar a fé que viu nos pais (2Tm 1.5; At 16.1). 

Provérbios 22.6 contempla uma promessa, qual seja, de que os filhos bem ensinados mesmo quando forem velhos seguirão a instrução recebida quando crianças. Aqui temos uma promessa para ser acreditada, embora nos alerte para eventuais períodos de turbulência. É mesmo possível que surjam períodos de rebeldia na adolescência, juventude e fase adulta, e que a semente só venha a frutificar na velhice. Mas o caráter é como uma planta que cresce com mais e mais força após ser podada, e isto desde a infância. 

Também a experiência nos mostra que nem sempre as coisas acontecem como planejadas, por causa de diversos outros fatores. As exceções, no entanto, apenas confirmam a regra. Tampouco olvidamos que somente a graça de Deus pode tornar o ensino e exemplo dos pais eficientes. Contudo, feitas as devidas ressalvas, Provérbios nos convence que o treinamento adequado dos filhos é eficaz.

Quanto antes melhor

Em segundo lugar, o ensino deve começar muito cedo e abarca um período que perpassa desde a tenra idade e por toda a adolescência até a idade do jovem adulto. A razão dessa rápida intervenção da disciplina é explicada, por exemplo, em Provérbios 22.15: “A estultícia [a tolice, a insensatez] está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela”.

O processo de treinamento envolve disciplina amorosa e na mais tenra idade. Os pais atentos já perceberão nos filhos ainda crianças quais são suas tendências pecaminosas mais proeminentes: “Até a criança se dá a conhecer pelas suas ações, se o que faz é puro e reto” (Pv 20.11). A disciplina, entretanto, deve ser apropriada a cada momento da criança, do adolescente e do jovem. Provérbios 22.6 diz literalmente “conforme o caminho dela”, o que parece dar a entender respeito à sua personalidade e desenvolvimento. 

Mas, frise-se, a disciplina é uma obra de amor e os pais que amam cedo verão a importância de ensinas os filhos e de lhes impor limites. “O que retém a vara aborrece a seu filho, mas o que o ama, cedo, o disciplina” (Pv 13.24). O sábio ainda diz que “o Senhor repreende a quem ama, assim como o pai, ao filho a quem quer bem” (Pv 3.12). Ademais, a disciplina deve ocorrer dentro de limites: “Castiga a teu filho enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-lo” (Pv 19.18).

O conteúdo do ensino

O conteúdo do ensino é “no caminho em que deve andar”. Não é no caminho que a criança escolhe, nem no caminho que a sociedade, os programas do Estado ou a academia ditam. É uma grande tolice deixar que os filhos escolham seu próprio caminho. Se deixarmos as crianças escolherem seus próprios caminhos, elas tenderão ao caminho da vergonha: “A vara e a disciplina são sabedoria, mas a criança entregue a si mesma vem a envergonhar a sua mãe” (29.15). Isso ocorre porque a estultícia está ligada ao coração da criança (22.15). É verdade que os pais não podem, e não devem, controlar cada passo que os filhos dão na vida, mas podem, e devem, devemos instruí-los no caminho (Gn 18.19).

Além disso, deve a criança aprender a aprender, ser treinada para valorizar desde cedo o ensino dos pais. Alguns provérbios tratam especificamente dessa tarefa de inculcar nos filhos o valor da instrução que é transmitida pelos pais. “Filho meu, ouve o ensino de teu pai e não deixes a instrução de tua mãe. Porque serão diadema de graça para a tua cabeça e colares, para o teu pescoço” (Pv 1.8,9; cf. 4.3-5; 6.20,21; 7.1-4). Portanto, é parte da missão de ensinar vencer a insensatez dos filhos consistente do seu desprezo pelo ensino dos pais, porque “O insensato despreza a instrução de seu pai, mas o que atende à repreensão consegue prudência” (Pv 15.5).

O sentido de “instruir”

“Instruir” significa treinar, disciplinar. A ordem é para ensinar, não meramente “criar” a criança. Nós criamos gatos, cachorros, bois e cavalos, providenciando meios adequados de provisões materiais. Até mesmo a maioria das espécies animais tem esse tipo de cuidado com a prole. Então, ensinar a criança não é prover alimentos, roupas, brinquedos e lazer, quarto agradável e escola. Isso é criar, um dever necessário. Mas ensinar a criança é dar instrução e disciplina com o objetivo definido, programado, de formar o caráter da criança fundamentado no temor de Deus e no conhecimento da Palavra.

Treinamento inclui esclarecimento de verdades a respeito de Deus e Sua Palavra que devem ser cridas e obedecidas, ensino quanto a respeitar a autoridade dos pais, a repetição daquilo que se quer inculcar, o uso de reforços positivos e negativos e o diálogo aberto e franco.

Por outro lado, instruir não é gritar, intimidar, ameaçar, desabafar a pretexto de admoestar, compensar traumas pessoais ou aliviar tensões momentâneas através do exercício da disciplina e coisas equivalentes. Filhos não são sacos de pancada. Instruir também não é se eximir de responsabilidades transferindo-as à mãe, dar mesadas e presentes sem merecimentos, lidar com filhos como quem lida com amiguinhos. 

Trabalhar feito louco para dar conforto é fácil! O difícil é instruir, porque isso envolve vencer o egoísmo e a preguiça, requer que se viva em casa, que se tenha tempo para a família. Decisões de ficar mais em casa e assumir a paternidade e a maternidade podem não gerar mais riqueza, nem conceder mais fama e talvez não oportunize uma promoção no emprego ou os prêmios de funcionário ou empresário do ano. Mas isso  pode dar algo infinitamente mais valioso: filhos que amam ao Senhor. 

Mais que isso. Treinamento de crianças envolve exemplo consistente a ser seguido: “O justo anda na sua integridade; felizes lhe são os filhos depois dele” (Pv 20.7). Instruir é instruir no caminho, e não instruir o caminho. Instruir quanto ao caminho pode parecer apenas um simples apontar para a estrada a ser seguida pelo filho, sem necessariamente percorrê-la ao lado do filho. Poderia sugerir a imposição de um padrão não seguido pelo pai. Ensinar no caminho significa andar junto, de modo que a vida do pai se torna um modelo a ser seguido pelo filho.

Conclusão

Provérbios nos diz de diversas maneiras sobre as características dos filhos bem treinados, disciplinados desde tenra idade, bem como sobre os resultados da má educação ou ausência dela, e sobre como os filhos se relacionam com os pais em uma situação e em outra. 

Filhos bem treinados tenderão a desenvolver a sabedoria, a sensatez, a prudência. Esses filhos não serão preguiçosos: “O que ajunta no verão é filho sábio, mas o que dorme na sega é filho que envergonha” (Pv 10.5). Filhos prudentes são obedientes aos pais: “O filho sábio ouve a instrução do pai, mas o escarnecedor não atende à repreensão” (Pv 13.1). 

A relação paterno-filial é diretamente afetada pelo ensino bíblico adequado e consistente. De muitas maneiras Provérbios diz que o filho sábio é uma alegria para os pais, enquanto, o insensato, uma tristeza para eles (Pv 10.1; 15.20). Diz que o pai do insensato não se alegra e que o insensato é uma amargura para a mãe (Pv 17.21, 25). “O filho insensato é a desgraça do pai”, diz o sábio (Pv 19.13). Esses filhos desprovidos de sensatez maltratam o pai e mandam embora a mãe, tornando-se “vergonha e desonra” (Pv 19.26). Há ainda filhos que amaldiçoam os pais, sobre quem se diz que “apagar-se-lhe-á a lâmpada nas mais densas trevas” (Pv 20.20). 

Será que não temos consentido com a mentalidade do nosso tempo e dado liberdade demais aos filhos? Será que não os temos abandonado à própria sorte, em relação a vários aspectos cruciais da existência? Será que temos apresentado o evangelho apenas como mais uma opção possível, viável, mais uma alternativa? E quanto ao seu futuro profissional dos filhos, nós os temos deixado que cresçam sem propósito, acreditando que eles mesmos acertarão a escolha aos dezessete anos, no último ano letivo do ensino médio? Obviamente, eles mesmos poderão se desviar da rota, mas a ideia de plena liberdade propagada em nosso mundo é perigosa. 

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