Introdução
Filhos são um pêndulo entre o maior de todos os amores e a maior de todas as preocupações. É certo que criar filhos em todos os tempos sempre trouxe o seu fardo de enormes tensões, sobretudo em épocas nas quais as sociedades experimentaram períodos de decadência dos valores morais, como as contemporâneas (Rm 1.28-32; 2Tm 3.2).
Entretanto, a nossa própria época tem reservado novos desafios morais, jurídicos, políticos e filosóficos que estão infestando de tal maneira a cultura que poderá chegar o dia em que a nossa sociedade ouvirá uma voz que se opõe ao estado de coisas como quem ouve a maior de todas as barbaridades. Eis o último estágio de uma sociedade que amadurece célere para o enfrentamento da ira do Todo-Poderoso: “Ai dos que ao mal chamam bem e ao bem, mal; que fazem da escuridade luz e da luz, escuridade; põem o amargo por doce e o doce, por amargo! Ai dos que são sábios a seus próprios olhos e prudentes em seu próprio conceito!” (Is 5.20,21).
Permanece, porém, o fato de que Deus tem lidado com famílias, revelado-lhes a verdade e delas retirado para si um povo santo. Para tanto, o Senhor tem protegido o casamento, o que mencionamos no estudo, como também preservado a autoridade dos pais, tema que nos ocupa neste passo dos nossos estudos (e no seguinte) e que abordaremos a partir da análise de Efésios 6.1-3: “Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor, pois isto é justo. Honra a teu pai e tua mãe (que é o primeiro mandamento com promessa), para que te vá bem, e sejas de longa vida sobre a terra”.
O mandamento da obediência
A autoridade dos pais encontra correspondência no dever de obediência dos filhos. O quinto mandamento, aqui introduzido por Paulo, implica obediência, conforme a teologia reformada, a todos quantos exercem algum tipo de ascendência.
O mandamento se expressa como um princípio geral de submissão e respeito para com quem exerce alguma posição de autoridade, que pode ocorrer por motivo de cargo público (autoridades públicas), de ministério cristão (líderes e oficiais da igreja), de profissão (professores) e de idade (pessoas mais velhas, com especial deferência aos idosos).
O dever de obediência se deve também, e sobretudo, a quem exerce deveres de cuidado para conosco no âmbito da família (pais, parentes, guardiões, curadores). Mais especificamente, portanto, o mandamento mira a obediência dos “filhos”, palavra que designa a descendência imediata na linha reta e que, podemos deduzir, ainda se encontra sob a esfera de autoridade dos pais (sob o poder parental, diz-se em Direito). Evidentemente, os pais devem estar atentos ao fato de que uma é a obediência de uma criança ou de um adolescente; outra, de um jovem adulto.
O significado do mandamento
O que é, pois, requerido dos “filhos” em relação a seus pais? Que obedeçam: “Filhos, obedecei a vossos pais”. A palavra usada por Paulo significa literalmente “ouvir sob”, o que implica dizer que o sentido mais básico de obediência aos pais se revela na atitude de os filhos ouvi-los colocando-se sob sua autoridade.
Quando os pais falam, orientam, ensinam, exortam, advertem, encorajam, aconselham filhos obedientes, estes ouvem cientes de que estão sob o comando daqueles. Filhos obedientes ouvem os pais com a devida consideração ao que está sendo dito, com disposição de seguir o caminho que eles apontam, de apreender suas lições e acatar suas ordens. A palavra dos pais nunca é concebida por filhos obedientes como uma conversa entre amigos.
No exato oposto, os filhos rebeldes ouvem os pais como se estes nada soubessem, nada entendessem e nada tivessem a lhes acrescentar. E, se este for o caso, como nossos filhos aprenderão conosco o evangelho da graça de Deus? Como nos ouvirão quando os evangelizarmos, se não foram ensinados ou não aprenderam a nos obedecer? Como levarão a sério quando lhes dissermos que devem correr para Jesus, que nos livra da ira vindoura? Como estarão na comunhão da igreja, se não se submetem à nossa orientação? Como os desviaremos das tenebrosas influências dos tempos pós-modernos se preferem ouvir os amigos aos pais?
É evidente, pois, que se nossos filhos não nos obedecem, não nos obedecem para a sua própria tragédia, transitória ou eterna. Os genros de Ló não atenderam ao seu comando para sair de Sodoma porque não o levaram a sério: “Acharam, porém, que ele gracejava com eles” (Gn 19.14). Os filhos de Eli “não ouviram a voz de seu pai” quando alertados para o perigo de fazer transgredir o povo do Senhor (1Sm 2.23-25).
O dever correspondente dos pais
Pelo que tratamos até aqui, embora a ordem apostólica mire os filhos, já conseguimos discernir aquilo que pode haver de pior na atitude dos pais para com seus filhos: não se apresentar para eles como um referencial portador de autoridade que deve ser respeitada. Se os pais não são aos olhos e ouvidos dos filhos pessoas sob as quais devam se submeter, estes filhos não ficarão sem um referencial, mas buscarão e se submeterão à influência de outros, aprenderão os valores de outros e seguirão o exemplo de outros.
Os pais, portanto, não devem aparecer como “amigões”, mas como pais confiáveis; nem como brincalhões, embora estejam acessíveis; nem como mais um irmão, conquanto devam estar sempre presentes. Os pais devem ser vistos como os líderes dos filhos e o pai, homem, como o líder da casa. Essas figuras bem delineadas funcionam como um norte para importantes autodefinições e posicionamentos na vida.
Portanto, se queremos ajudar nossos filhos, assumamos, dentre outras, as seguintes posturas: primeiro, ensinemos nossos filhos a aprender conosco. Ensinemos-lhes que seus pais são as pessoas que devem ser ouvidas com especial atenção e sobre e antes de todas as demais. “Filhos, obedecei a vossos pais”. Segundo, ensinemos nossos filhos a nos verem como autoridades. Certifiquemo-nos que eles sabem que quando ouvem os pais, ouvem uma autoridade especialmente colocada sobre eles por Deus e para o bem deles.
Evitemos, por outro lado, posturas que minam a nossa autoridade, dentre as quais merecem destaque as seguintes: falar sempre em tom jocoso, sem nunca travar uma conversa séria (não se respeita quem está sempre brincando; teria sido esse o caso de Ló?); pedir socorro ao outro cônjuge para fazer a própria fala ser ouvida e considerada; aparecer perante os filhos com conversas e planos desconexos, gerando perplexidade e estranheza; desfazer a ordem imposta pelo outro cônjuge ou continuamente argumentar com os filhos que o outro cônjuge não merece a devida consideração etc.
O fator distanciamento e a “alienação parental”
Além disso, o divórcio retira em grande medida o poder de influência moral e espiritual dos cônjuges, para além de certa perda de contato com o que não deterá a guarda dos filhos.
O instituto da guarda compartilhada vem ao socorro de situações como essas, para proporcionar aos filhos na melhor medida possível a permanência da convivência com ambos os genitores. Mas é certo que a configuração do novo arranjo não é exatamente a mesma, com possível perda de contato e de possibilidade de influência. É dizer, separação e divórcio sempre afetam o poder de influência dos pais, de algum modo.
Há ainda casos extremos, no contexto de separação e divórcio, nos quais os filhos são manipulados psicologicamente por um dos cônjuges, por meio de atos que caracterizam “alienação parental”, a não terem a devida consideração e acatamento pelo outro, com o consequente incremento do distanciamento.
O tema, que é de nosso interesse, foi regulamentado pela Lei 12.318/10, que conceituou “alienação parental” como “a interferência na formação da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este” (grifei).
A alienação parental se revela não raramente como meio de vingança contra um dos genitores em contextos de separação e divórcio traumáticos e pode ser perpetrada por práticas que a lei exemplifica, tais como “realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor” e “dificultar o exercício da autoridade parental”. Nos casos extremos e lamentáveis de separação e divórcio, questões referentes ao rompimento do vínculo matrimonial devem ser postas de lado e os interesses dos filhos, priorizados.
Conclusão
Em síntese, os filhos devem ser ensinados sobre como lhes é necessário aprender com os pais, a ouvi-los colocando-se sob seu comando. Para tanto, verem nos pais papeis bem definidos em um casamento estável e serem treinados desde cedo a respeitar sua autoridade são condições basilares.
Nesse contexto, apoio, acessibilidade, diálogo e confiabilidade não podem ser confundidos com atitudes imaturas de pais que não sabem se impor quando fazê-lo pode ser condição à formação de filhos cristãos maduros.
Pode parecer até ridículo à sociedade em geral, mas lutar por um casamento desgastado com vistas à proteção dos filhos é o caminho a ser considerado pelos cristãos, quando isso não importar sujeição à violência.