Creio no Espírito Santo

Lição 11/13

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Introdução 

A Bíblia ensina que os cristãos genuínos foram salvos, estão sendo salvos e serão salvos. Por Deus o Pai, fomos salvos antes da fundação dos séculos; por Deus o Filho, na cruz do Calvário; e, por Deus o Espírito Santo, quando somos levados a nos apropriar da salvação pela fé e preservados em santidade até a ressurreição final. 

Assim, podemos afirmar que toda a obra da nossa salvação é exclusivamente divina e inclusivamente trinitária. Nas palavras de Herman Bavinck: “A obra da salvação é uma incumbência do Deus único que subsiste em três pessoas, na qual as três pessoas cooperam e cada uma realiza uma tarefa especial. É o Deus trino – Pai, Filho e Espírito – que concebe, determina, realiza e completa toda a obra da salvação”. 

O Pai escolheu livre, soberana e incondicionalmente, antes da fundação dos séculos, aqueles indivíduos que seriam salvos, predestinou-os a essa grande salvação (Jo 15.16,19; At 13.48; Rm 8.29,30; 9.6-13; 11.4-7; Ef 1.4-6,11,12; 1Ts 1.4,5; 5.9; 2Ts 2.13; 2Tm 1.8-10; Ap 17.8,14) e os deu ao Filho (Jo 6.37,39; 10.29; 17.2,6,9,24; 18.9); o Filho encarnou e conquistou com o sacrifício de si a salvação dos eleitos (Is 53.10-12; Mt 1.21; 20.28; 26.28; Mc 10.45; 14.24; Lc 22.20; Jo 10.11-16; 17.9; At 20.28; Rm 5.8; 8.32-34; 1Co 1.30; 11.24; Gl 1.3, 4; Ef 5.25-27; Cl 1.21,22; Tt 2.14; Ap 5.9); o Espírito aplica e completa os benefícios da cruz nos eleitos. 

Ressalte-se, pois, que é o Espírito Santo quem concretiza nos eleitos os benefícios adquiridos por Cristo, tais como a regeneração (Jo 3.3; Tt 3.5), a adoção de filhos (Rm 8.15), a santificação (Gl 5.17,22,23), a variedade dos dons (1Co 12.4,7-11), a unidade da Igreja (1Co 12.12,13) e a ressurreição dos corpos (Rm 8.10,11). Ademais, é por meio do Espírito que temos comunhão direta com o Pai e com o Filho (Jo 14.23,26; 2Co 6.16; Gl 2.20; Ef 3.16,17; Fp 1.8,21), sem a qual não é possível experimentar vida cristã genuína. 

Nas palavras precisas de Jonathan Edwards, o “Espírito de Deus é a bênção principal, pois é a substância de todas as bênçãos espirituais de que precisamos infinitamente mais que todas as outras e em que consiste a nossa felicidade verdadeira e eterna… o Espírito Santo é a síntese das bênçãos que Cristo adquiriu…”.

Observemos, portanto, que a estrutura do Credo dos Apóstolos é trinitária em essência, já nos fazendo afirmar que o Espírito Santo é tão divino como o Pai e o Filho. 

A personalidade e a divindade do Espírito Santo

O nome “Espírito Santo” só ocorre no Antigo Testamento em Salmos 51.11 e Isaías 63.10,11, sendo ali mais comuns as ocorrências de “Espírito de Deus” e “Espírito do Senhor”. No Novo Testamento, “Espírito Santo” veio a ser a designação por excelência dessa bendita pessoa da Trindade.

As Escrituras falam do Espírito como um ser pessoal. Essa realidade fica evidente pelo uso do pronome masculino (gr. “ekeinos”) em João 16.14, e do pronome relativo masculino (gr. “hos”) em Ef 1:14, para referir-se ao Espírito (gr. “pneuma”, substantivo neutro). 

Notável igualmente o título “Consolador” (gr. “Parakletos”), em João 14.26, 15.26 e 16.7. Para Louis Berkhof, o vocábulo “Parakletos” tem importância por duas razões: a uma, “o termo não pode ser traduzido por “conforto”, “consolação”, nem pode ser considerado como nome de alguma influência abstrata; a duas, “um fato que indica que se trata de uma pessoa é que o Espírito Santo, como Consolador, é colocado em justaposição com Cristo como o Consolador que estava para partir, a quem o mesmo vocábulo é aplicado em 1João 2.1 [onde “parakletos” é traduzido por “Advogado”]”. Ademais, ainda digno de nota é que a palavra “outro” (gr. “allos”, em “outro Consolador”) “realça a identidade diferente daquele que virá”, conforme anotaram Ferreira e Myatt. A conclusão é que o Espírito Santo é uma pessoa distinta de Jesus, mas em pé de igualdade com ele. 

Há passagens em que se faz nítida distinção entre o Espírito Santo e o seu poder (Lc 1.35; 4.14; At 10.38; Rm 15.13; 1Co 2.4). Recorremos outra vez a Berkhof, quando observa que tais passagens seriam “até absurdas” “se fossem interpretadas com base no princípio de que o Espírito é pura e simplesmente um poder impessoal”. 

As Escrituras creditam ao Espírito Santo características pessoais, tais como inteligência, vontade e sentimentos (Jo 14.26; At 16.7; Ef 4.30). Também lhe atribuem realizações pessoais, tais como lutar, ensinar, falar, decidir, vivificar mortos (Gn 6.3; Lc 12.12; At 8.29; 13.2; Rm 8.11), além de relacionamentos que são próprios de pessoas (At 15.28; Jo 16.14). 

Noutro giro, se não tememos reconhecer a personalidade do Espírito Santo, com muito mais razão não ousaríamos questionar a sua divindade. As mesmas Escrituras que o revelam como um ser pessoal, testificam que ele é uma pessoa divina, da mesma essência do Pai e do Filho, sobretudo quando lhe atribuem nomes divinos (Ex 17.7 [Hb 3.7-9]; At 5.3,4; 1Co 3.16; 2Tm 3.16; 2Pe 1.21), atributos divinos (Sl 139.7-10; Hb 9.14; Is 40.13,14 [Rm 11.34]; Rm 15.19), realizações divinas (Gn 1.2; Sl 104.30; Rm 8.11) e honras somente devidas à Divindade, conforme Paulo escreveu em 1Co 3.16: “Não sabeis que sois santuário de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?”. Ora, aquele que habita no Templo recebe nele a adoração. 

Acrescente-se que as Escrituras colocam o Espírito Santo em exata justaposição com as demais pessoas da Trindade, o que nos faz concluir que o Espírito Santo é dotado de personalidade, é um Ser pessoal, distinto do Pai e do Filho, e não uma força impessoal, como também uma pessoa divina, consubstancial ao Pai e ao Filho (Mt 28.19; 2Co 13.13; 1Pe 1.1,2; Jd 20,21). Para Bavinck, “a escolha é clara: ou o Espírito Santo é uma criatura – seja um poder, um dom ou uma pessoa – ou é verdadeiramente Deus. Se Ele é uma criatura, ele não pode, de fato e de verdade, nos comunicar o Pai e o Filho com todos os seus benefícios, não pode ser o princípio da nova vida nem no cristão individual nem na Igreja como um todo… Mas o Espírito Santo não é e não pode ser uma criatura… Aquele que nos dá o próprio Deus deve ser, ele mesmo, verdadeiro Deus”.

As operações do Espírito Santo na “graça comum”

Cumpre-nos registrar de plano que as operações do Espírito, embora de algum modo relacionadas com os propósitos de Deus para o seu povo, de modo algum estão confinadas nos arraiais da Igreja. Antes, conforme observou Calvino, quando afirmamos que “o Espírito de Deus reside unicamente nos fieis, temos que entender que tratamos de santificação pela qual somos consagrados a Deus como seus templos. Mas, entretanto, Deus não cessa de encher, vivificar e mover com a virtude desse mesmo Espírito todas as criaturas”.

Estas operações universais do Espírito têm recebido o nome de “graça comum”, cujo significado pretende explicar como o homem totalmente depravado realiza algum tipo de bem. Por um lado, do homem caído não se pode esperar bem algum. Por outro, como explicar o fato de que conhecemos pessoas não cristãs que são habilidosas, humanitárias e cumpridoras dos seus deveres e isto em medida ainda maior que a evidenciada em muitos cristãos genuínos? 

“Graça comum”, pois, é o termo que designa as operações divinas pelas quais o Espírito Santo, sem operar a remoção da culpa e a salvação dos pecadores, suporta o pecado em sua longanimidade (Rm 2.4; 9.22; 2Pe 3.9), concede-lhes bênçãos naturais (Gn 17.20; Sl 145.9,15,16; Mt 5.44,45; At 14.16,17; 17.25), refrea-lhes o ímpeto pecaminoso (Gn 6.3; 20.6; Is 63.10; At 7.51) e estimula-lhes a prática do bem, público e privado, e a admiração pela verdade, pela justiça, pelo bom e pelo belo (Mt 7.9-11; Rm 2.14, 15; Rm 13.1-7; At 17.22, 28). 

Percebe-se, nesse passo, que a possibilidade de vida minimamente viável na sociedade descrente, do ponto de vista relacional, social e moral, deve-se tão somente às operações do Espírito na graça comum (Rm 1.24,26,28), que ocorrem através da revelação geral (Rm 2.14,15), do governo (Rm 13.1-7) e dos meios formais (v.g., escola, órgãos de persecução penal e leis penais) e não formais (v.g., família, opinião pública, convenções sociais largamente aceitas) de controle social. 

Por fim, devemos destacar igualmente que há uma graça comum distribuída aos eleitos e aos não eleitos que vivem sob o evangelho. É dizer, há uma graça não especial, não eletiva, que não remove a culpa do pecado, que alcança tanto crentes genuínos como os hipócritas e não regenerados disfarçados de cristãos (vide Hb 6.4-6).

As operações do Espírito Santo na “graça especial”

A partir deste ponto, teceremos alguns breves comentários acerca da graça especial do Espírito Santo, termo que se refere às realizações que dizem respeito à redenção de pecadores. 

Tudo começa com um “chamado eficaz”, a obra divina pela qual o Espírito Santo, mediante a pregação da Palavra de Deus, convoca eficaz, soberana, irresistível e internamente os eleitos para a salvação (Gl 1.15; 1Co 1.23,24; Rm 8.30). Noutras palavras, trata-se da ação do Espírito em iluminar o pecador eleito de modo que este compreenda o evangelho salvadoramente e se volte para Deus em arrependimento e fé (Jo 6.37; 10.27,28; At 16.14).

O “chamado eficaz” produz a “nova criação”, a “regeneração”, do modo como aquela ordem “Lázaro, sai para fora” de fato trouxe Lázaro da morte para vida. Regeneração é, destarte, a obra do Espírito Santo por meio da qual Ele concede vida espiritual a um coração morto e o purifica (Tt 3.5), por meio da Palavra de Deus (1Pe 1.23; Tg 1.18). Trata-se de uma operação absolutamente necessária (Jo 3.3-6; 6.44,65) para que o pecador, morto em seus delitos e pecados (Ef 2.1-3), incapaz de compreender verdades espirituais (1Co 2.14) e de mudar a si mesmo (Jr 13.23), volte-se para Deus. 

Os resultados da regeneração podem ser resumidos em termos de uma nova relação com Deus. Há um novo “pendor”, uma nova tendência ou inclinação (Rm 8.6), quando um novo e mais profundo e dominante desejo da alma passa a ser o de servir e amar a Deus (1Jo 2.29; 3.9; 4.7; 5.1,4,18). Só é cristão verdadeiro quem nasceu de novo, tornando-se habitação salvadora do Espírito Santo (Rm 8.9).

O novo nascimento se expressa na reação humana em termos de “conversão” (1Ts 1.5-10), pela qual o homem regenerado se volta para Deus em “arrependimento” e “fé(Is 55:7). O arrependimento e a fé, portanto, andam juntos como os elementos da verdadeira conversão, são absolutamente necessários para a salvação (Lc 13.3,5), ambos são dons de Deus (2Tm 2.24,25; Ef 2.8) e um não dispensa o outro. Arrependimento sem fé é falso arrependimento e resulta em desespero, como no caso de Judas (Mt 27.3-5); fé sem arrependimento é falsa fé e resulta na presunção tola de um coração enganado, como o juízo final demonstrará (Mt 7.21-23).

Porque tecemos breves comentários sobre regeneração e conversão (incluindo os elementos arrependimento e fé), desembarcamos necessariamente no porto seguro da vida cristã: a maviosa doutrina da “justificação pela graça mediante a fé somente”. “Justificar” (gr. dikaioo, palavra de uso judicial) é o ato divino de, em sua livre graça, proferir uma sentença que considera o pecador justo diante dele e, portanto, inculpável e com direito à vida eterna, simplesmente por meio da fé, pela atribuição da justiça de Cristo à conta do pecador, com fundamento exclusivo na redenção vicária ou substitutiva já realizada na cruz.

O único meio da justificação é a fé(Rm 3.22,25,28; 5.1; Gl 2.16), que, por sua vez, nada mais é que o canal por meio do qual Deus atribui à conta do pecador uma justiça que não é sua, nem é produzida por ele em qualquer medida (Rm 10.10; Fp 3.8,9). A única base para a justificação é a obra substitutiva de Jesus Cristo, a sua obediência (Rm 5.12-19). 

Enquanto a justificação tratou do aspecto legal concernente à condenação do homem perante o Justo Juiz, a “adoção de filhos” lida com a alienação da criatura em relação ao Criador. A adoção, portanto, é uma expressão do amor de Deus (1Jo 3.1), através da qual ele, por meio do Espírito Santo (Rm 8.15,16; Gl 4.6) e segundo o seu livre conselho (Ef 1.5), põe os homens justificados (Jo 1.12,13) em uma relação peterno-filial consigo, recebe-os em sua família e os faz tanto seus herdeiros (Gl 4.7; Rm 8.17) como objetos do seu amor disciplinar (Hb 12.4-8).

A obra da graça especial já iniciada pelo Espírito Santo (por meio da vocação eficaz, da regeneração, da conversão, da justificação e da adoção) se desenvolve na “santificação” e se consuma na “glorificação”. A regeneração, portanto, é só o ponto inicial a partir do qual o cristão genuíno amadurece em obediência à vontade de Deus e na prática da justiça em um processo denominado “santificação”, que é conduzido pelo Espírito até o seu aperfeiçoamento.

Na justificação, uma pessoa é considerada justa por Deus com base na imputação do mérito de Jesus Cristo ao crente. Na santificação, não somos apenas considerados justos, mas tornamo-nos de fato justos em um processo que, conquanto não se complete nesta existência, teve início na regeneração.

“Santificação” é a obra de Deus (Hb 13.20,21; 1Pe 5.10), mais precisamente do Deus Espírito Santo (Rm 8.13,14; Gl 5.22,23; 2Ts 2.13; 1Pe 1.2; Tt 3.5), por meio da qual a pessoa inteira do pecador justificado (1Ts 5.23; 1Co 6.15, 20) – incluindo todas as suas faculdades (Fp 2.13; Jr 31.34; Hb 9.14), é liberta de maneira gradual, progressiva e sempre incompleta nesta existência (Fp 3.12-14; 1Jo 1.8) do poder influenciador do pecado. Essa libertação do poder do pecado dá-se através da gradual remoção da corrupção da natureza (Rm 6.6) e do fortalecimento contínuo da disposição santa da alma regenerada (Rm 6.4), operações pelas quais os regenerados são conduzidos à prática das boas obras (Ef 2.10) e conformados à imagem de Jesus Cristo.

Não olvidemos ainda que a santificação é uma operação do Espírito na qual os crentes participam, querendo isso significar tão somente que Deus efetua a obra da santificação em nós em parte pela nossa cooperação racional, ou, noutras palavras, usando como sua instrumentalidade o uso diligente que fazemos dos meios de graça. Assim, devemos empregar com a máxima diligência possível os meios pelos quais Deus nos faz avançar em santificação. Esses meios são, sobretudo, a Palavra de Deus (1Pe 1.22; 2Tm 3.16,17; 1Pe 2.2; Sl 19.7-9), a oração (Lc 18.1; 1Ts 5.17) e a participação nas ordenanças (1Co 10.16), tudo no ambiente da comunhão com outros crentes (1Ts 5.11; Hb 10.25), como também na vida privada (Mt 6.6).

Finalmente, chegamos à obra do Deus Espírito Santo na graça especial que diz respeito à consumação, ao aperfeiçoamento final da vida cristã: a “glorificação”(Rm 8.29,30). “Glorificação” é a consumação do processo de santificação dos crentes, o fim da caminhada cristã que iniciou na regeneração, ocasião em que os eleitos serão transformados na semelhança com Cristo e receberão um corpo adaptado ao estado eterno (1Jo 3.2; 1Co 15.52). A glorificação está estreitamente relacionada em termos de causa e efeito com a segunda vinda do Senhor Jesus em glória e a ressurreição dos corpos, temas que ainda abordaremos na sequência dos estudos. 

Conclusão

A redenção efetuada por Jesus Cristo garantiu uma bênção dupla: que fomos refeitos para sermos um Tempo da sua habitação, no qual o Espírito Santo habita (Ez 36.26,27; Ef 2.19-22; 1Pe 2.5), quer como comunidade da fé (1Co 3.10-17), quer em cada crente (1Co 6.19,20).

Os resultados dessa habitação salvadora se tornam evidentes por meio da produção do “fruto do Espírito” (Gl 5.22,23), na prática da justiça, nas disciplinas espirituais da oração e da devoção privada, no gosto pela participação dos meios públicos de graça, no amor pelo próximo e no envolvimento com as missões cristãs. Sem a habitação redentora do Espírito Santo, não há vida cristã genuína, muito menos aquela vida acima da mediocridade que só pode ser fruída por meio da plenitude do Espírito (Ef 5.18-6.9).

Lamentavelmente, em certos meios cristãos prefere-se ver as evidências da vida sob os auspícios do Espírito Santo nos “risos santos”, no falar coisas sem significado, no “cair no Espírito” e nas imitações de animais. Mas o fato é que a verdadeira influência do Espírito pode melhor e mais seguramente ser verificada no coração compungido, nos joelhos dobrados, por meio de relacionamentos santos e no exercício das disciplinas espirituais. 

Sobre quem é quem, Jesus também tem a última palavra: “pelos seus frutos os conhecereis” (MT 7.16).

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