Concebido pelo Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria

Lição 7/13

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Introdução 

O Credo se volta, sem delongas, da pessoa bendita do Redentor para a sua obra de redenção, descrevendo a carreira do Salvador com inteireza e concisão impressionantes. Primeiro, apresenta-nos a fase de humilhação (“… Jesus Cristo… foi concebido… nasceu… padeceu… foi crucificado, morto e sepultado…”) para, na sequência, como de um só fôlego, dizer-nos sobre a sua exaltação (“… ressuscitou… está assentado à direita de Deus… de onde virá…”). Tudo o que é decisivo à fé cristã está aqui! 

O início da carreira (e da fase de humilhação) de Jesus Cristo dá-se com o milagre no ventre da virgem, momento em que o Espírito Santo preparou um corpo para o Salvador. Foi um feito extraordinário único na história da humanidade, o que naturalmente explica o espanto dos personagens envolvidos, e registrado somente pelos evangelistas Mateus e Lucas, mas pressuposto na teologia paulina (Gl 4.4) e essencial à fé cristã bíblica. 

O relato de Mateus (1.18-25)

Mateus descreveu o nascimento de todos os reis da genealogia com uma ou duas palavras (Mt 1.1-17), mas ele tem muito mais a dizer sobre a concepção de Jesus: “Ora, o nascimento de Jesus foi assim” (v. 18a). O tema é soleníssimo e aceito somente por uma fé reverente: “estando Maria, sua mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo” (v. 18b, com grifo). O escritor foi bastante cuidadoso desde o versículo 16, ao dizer que José não teve participação na concepção de Jesus: “E Jacó gerou a José, marido de Maria, da qual nasceu Jesus, que se chama o Cristo” (grifo meu). Agora, no versículo 18, ele esclarece que o Espírito Santo formou um corpo para Jesus no ventre da virgem Maria.

Quando José descobriu que Maria estava grávida, ficou muito triste por imaginar que ela o havia traído. Mas, “sendo justo e não a querendo infamar, resolveu deixá-la secretamente” (v. 19). José aprendeu uma justiça bondosa. Embora sentisse que deveria deixá-la, também não a exporia à vergonha pública. Um homem justo à forma de Deus escolhe a maneira mais branda de fazer justiça. Ele apenas “resolveu deixá-la secretamente”, suspeitando haver sido traído. 

José foi dormir cogitando essas coisas, momento que foi socorrido por uma revelação através de um sonho, por meio do qual um anjo o recordou que ele era da linhagem real (“José, filho de Davi”) e disse-lhe que Maria não tinha pecado (“não temas receber Maria, tua mulher”) e que Jesus havia sido concebido pelo Espírito Santo (“porque o que nela foi gerado é do Espírito Santo”) (v. 20). Foi dessa maneira que o Senhor removeu as suspeitas da mente de José e proveu o pai legal para Jesus da linhagem real de Davi, além, é claro, de trazer conforto e segurança para Maria e o bebê. 

Os versículos 24 e 25 da passagem informam que José atendeu prontamente à vocação divina, tomando a Maria por mulher, mas que só a conheceu sexualmente após o nascimento de Jesus, por certo para que a natureza sobrenatural da concepção não fosse objeto de dúvida alguma. A partir do momento em que José obedeceu, Jesus tornou-se seu filho legítimo e, portanto, de Davi (não apenas pela linhagem da mãe), sendo, por direito, o Rei dos Judeus. 

Mateus, todavia, afirmou, citando Isaías 7.14 nos versículos 22 e 23, que o portento da concepção virginal já havia sido predito no Antigo Testamento: “Ora, tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco)”. 

 Em Isaías 7, Deus falou por meio do profeta com o rei Acaz, de Judá, desafiando-o a pedir um sinal que confirmasse a promessa divina de destruir os reis Rezim, da Síria, e Peca, de Israel: “E continuou o Senhor a falar com Acaz, dizendo: Pede ao Senhor, teu Deus, um sinal, quer seja embaixo, nas profundezas, ou em cima, nas alturas” (Is 7.10,11). Acaz respondeu com incredulidade disfarçada de piedade (Is 7.12), o que explica as palavras de desagrado: “Então, disse o profeta: Ouvi, agora, ó casa de Davi: acaso, não vos basta fatigardes os homens, mas ainda fatigais também ao meu Deus?” (7.13).

É nesse ponto que surge a famosa profecia do nascimento inesperado de uma criança que será o sinal de Deus: “Portanto, o Senhor mesmo vos dará um sinal: eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe chamará Emanuel” (Is 7.14). Antes que a criança tivesse idade para distinguir entre o bem e o mal, os reinos da Síria e de Israel teriam sido assolados: “Na verdade, antes que este menino saiba desprezar o mal e escolher o bem, será desamparada a terra ante cujos dois reis tu tremes de medo” (Is 7.16). 

O “sinal” divino com respeito ao nascimento de uma criança divisava um cumprimento imediato, que realmente ocorreu nos dias do rei Acaz. Nesse sentido, o menino profetizado era o filho do profeta Isaías, de nome “Maer-Salal-Has-Baz”, apresentado em Isaías 8.3: “Fui ter com a profetisa; ela concebeu e deu à luz um filho. Então, me disse o Senhor: Põe-lhe o nome de Rápido-Despojo-Presa-Segura”. A criança recebeu um nome simbólico (“rápido para saquear, veloz para despojar”), como forma de sinal do que foi anunciado em Isaias 8.4 (“Porque antes que o menino saiba dizer meu pai ou minha mãe, serão levadas as riquezas de Damasco [Síria] e os despojos de Samaria [Israel], diante do rei da Assíria”), em linguagem alinhada com Isaías 7.15,16. Esse mesmo filho é chamado “Emanuel” em Isaías 8.8. Assim, resta pouca dúvida de que a Isaías 7.14 se cumpre, em um primeiro momento, nos dias de Acaz e Isaías.

Mas isso não é tudo. Em Isaías 9.1-7, tem-se em vista um futuro distante, quando os exilados seriam repatriados à Galileia e, nesse contexto, aparece no versículo 6 outra descrição do nascimento de um filho, mas desta vez um filho extraordinário, um Rei divino chamado “Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz”.  Diz-se que ele reinaria sobre o trono de Davi e estabeleceria justiça para sempre. Seria impensável ver o cumprimento desse aspecto da profecia cumprido no filho de Isaías. 

Por isso, Mateus, não sem razão, reconheceu que o filho de Isaías cumpriu apenas um aspecto de uma profecia que exigia o nascimento de outra criança em um futuro mais distante. Tratava-se de um Rei divino-messiânico. Mateus, então, reconheceu que a criança prometida por meio do profeta é Jesus! Jesus é o Cristo, o filho de Davi, o filho de Abraão, aquele que estenderá seu reinado eterno de graça e misericórdia sobre a descendência prometida a Abraão, os crentes em Cristo.

Mas como Mateus pode demonstrar que Jesus é o Rei-Messias-divino? De plano, já pela maneira como Jesus foi concebido. Aquela concepção virginal era o sinal. Assim como o filho de Isaías foi um sinal de salvação nacional nos dias de Acaz, uma espécie de “Deus conosco” para livrar Judá da Síria e de Israel, o Filho de Deus concebido pelo Espírito Santo no ventre da virgem era o “Deus conosco”, que veio salvar o seu povo da escravidão dos seus pecados (Mt 1.21).

A palavra hebraica usada por Isaías (almâ) foi escolhida cuidadosamente, para atender ao propósito duplo da profecia. Ela não significa exatamente “virgem”, que, na língua portuguesa, é usada com um único significado de moça que nunca manteve relação sexual. A sua melhor tradução seria “donzela”, que, embora não seja o exato equivalente de virgem, sugere fortemente a virgindade. Com efeito, ressalto que esse sentido um tanto ambíguo da palavra hebraica foi útil porque a profecia não tinha em vista somente o nascimento do Messias. 

A tradução grega septuaginta, no entanto, traduziu almâ pelo grego parthenos, que significa inequivocamente “virgem”, o que pode indicar que a conclusão de Mateus era aceita por alguns judeus já antes dele, no sentido de que a relação entre os capítulos 7 a 9 de Isaías exige o nascimento de um Rei messiânico sinalizado por uma concepção sobrenatural. O fato é que para Mateus não há dúvida: Jesus Cristo é o cumprimento final da profecia de Isaías, e ele sabe disso também por causa da concepção virginal do Salvador.

O relato de Lucas (1.31-35)

Lucas também registrou a concepção e nascimento virginais do Salvador, quando fez seu relato da natividade, inclusive ressaltando a união das duas naturezas de Jesus Cristo no milagre da concepção sobrenatural da virgem. 

Notemos que o anjo Gabriel disse a Maria que ela seria mãe de uma pessoa completa, que se chamaria Jesus, e não apenas que geraria a natureza humana do Salvador: “Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem chamarás pelo nome de Jesus” (v. 31). Ou seja, um ser completo, chamado Jesus, seria gerado no ventre da virgem. O nome “Jesus” já indica que o fruto do ventre da virgem seria o Salvador do Seu povo (cf. Mt 1.21), prerrogativa que a natureza humana, sozinha, jamais poderia exercer. Esse Ente inteiro, completo, seria concebido por Maria e, nove meses depois, ela o daria à luz.

Foi dito também a Maria que o filho que ela geraria seria o Filho de Deus e o Filho de Davi: “Este será grande e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai” (v. 32). Essa dupla paternidade de Jesus é revelada para que se reconheça sua dupla natureza. É dito que Ele é “Filho do Altíssimo” para indicar que a divindade é a sua natureza eterna, e que a encarnação não alterou esse fato.

Também é dito que Jesus é filho de Davi: “Deus, o Senhor, lhe dará o trono de Davi, seu pai”. Dizer que Jesus é filho de Davi se prestaria a explicar a realeza de Jesus, para dizer que a natureza humana do Redentor veio da descendência de Davi, linguagem que se aproxima de Romanos 1.3: “segundo a carne, veio da descendência de Davi”. Em suma, o filho gerado por Maria é Filho de Deus (é divino) e filho de Maria (é humano).

Esse Ente completo haveria de reinar eternamente: “ele reinará para sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá fim” (v. 33). Note que em um curto versículo é dito duas vezes que a pessoa completa de Jesus – como Filho de Deus e filho de Davi -, a quem Maria haveria de conceber e dar à luz, reinaria eternamente: “ele reinará para sempre” e “seu reinado não terá fim”. O texto afirma, noutras palavras, que o Jesus inteiro, o Deus-homem, é um Rei eterno, tal como somente Deus pode ser. É a conclusão a que se pode chegar quando comparamos a passagem com 1Timóteo 1.17 e 6.16. Como Rei eterno, ele reinaria sobre o povo de Deus, aqui retratado como “casa de Jacó”. Isso quer significar que a união das duas naturezas seria para todo o sempre.

Na sequência, Lucas descreve a concepção sobrenatural da virgem: “Então, disse Maria ao anjo: Como será isto, pois não tenho relação com homem algum? Respondeu-lhe o anjo: Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra” (vs. 34,35a). Em parte, o espanto de Maria residia em que ela não tinha tido “relação com homem algum”. Se algo tão extraordinário viesse a ocorrer, não seria por meios naturais, portanto. Então como seria? 

O texto diz tudo que pode ser dito em linguagem humana e captado pela nossa mente: “Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra”. Ou seja, a concepção de Jesus foi um portento da onipotência divina, que de modo insondável e poderoso, por meio do Espírito Santo, uniu à natureza divina do Redentor a natureza humana, jungindo ambas, de uma vez por todas, no único Ente Jesus Cristo.

Conclusão

Foi assim que o “Senhor da glória” (1Co 2.8; Tg 2.1), nosso Senhor, ingressou em sua fase de humilhação: assumindo a natureza humana, mas de uma forma absolutamente singular. O Novo Testamento é absolutamente claro quanto à afirmação da concepção virginal do Salvador (Lc 1.35; Mt 1.18). As reações de Maria (Lc 1.34) e de José (Mt 1.19) indicam que ambos entendiam a impossibilidade natural de uma virgem conceber. A carreira terrena de Jesus, portanto, começa com o milagre da concepção e nascimento virginais e termina com outro milagre, o da ressurreição.

A concepção e o nascimento virginais de Jesus ensinam várias lições fundamentais à confissão cristã. Primeiro, lembra que a salvação é decorrência de uma atividade exclusivamente divina, sem cooperação com atividades humanas. É somente pela graça. Se podemos ser reconciliados com Deus, isso só é possível porque Deus veio até nós em seu Filho Jesus Cristo, visto que o caminho a Deus jamais poderia ser trilhado por nós. 

Segundo, a criação de uma humanidade para Jesus pelo Espírito lembra também que nele, e somente nele, tem início uma nova humanidade, rediviva e sem pecado. Não por acaso Jesus é chamada de “o segundo Adão”, visto que veio para restaurar aquilo que havia se perdido com a desobediência do primeiro (Rm 5.12-21; 1Co 15.45-48).  

Terceiro, a concepção e o nascimento virginais destacam a qualidade, a excelência, a sublimidade da pessoa de Jesus Cristo (Lc 1.35). Indicam que o “ente santo” que a virgem concebeu é o Filho de Deus de uma maneira absolutamente única, o Deus-Homem totalmente capaz de conquistar a salvação para o seu povo. 

Finalmente, devemos ainda observar que após Maria ter dado à luz o Filho de Deus segundo a carne, ela viveu com José uma vida conjugal normal. O evangelista Mateus escreve: “Despertado José do sono, fez como lhe ordenara o anjo do Senhor e recebeu sua mulher. Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Jesus” (Mt 1.24,25, com grifo nosso). 

O texto enfatiza que o casal se absteve de relações sexuais durante a gravidez e que tal abstinência perdurou até que Maria desse à luz a Jesus Cristo. O Novo Testamento é inequívoco ao afirmar que Jesus teve irmãos e irmãs (Mt 12.46,47; Mc 3.31,32; 6.3; Lc 8.19,20; Jo 2.12; 7.3,5,10; At 1.14), além de falar de Jesus como o “Unigênito” de Deus (Jo 1.18), mas, por outro lado, como o “primogênito” de Maria (Lc 2.7).

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