Tomé

Da Dúvida à Fé Firmada na Ressurreição de Cristo

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Modo noturno
Evangelho de João 20.24-31

A dúvida quanto a um fato pode ter base nas mais variadas causas:

  • Em alguns casos, está relacionada com a ignorância;
  • Em outros, a dúvida é produto de escolhas morais e filosóficas fundamentais;
  • Há casos em que a dúvida é uma passagem para mais firmeza;
  • Também, a privação do sono pode nos tornar cínicos e nos levar a tratar coisas sérias com leviandade;
  • É possível, igualmente, que crises existenciais profundas, como a perda de uma pessoa amada, abalem a estrutura de uma fé aparentemente sólida. 

O nosso texto não é uma resposta a todos os casos de dúvida – ele trata especificamente da dúvida de Tomé, que possui contexto bastante específico. Explique-se.

Jesus havia sido crucificado na sexta-feira, desafiando toda a noção de Tomé (e dos demais discípulos!) quanto a um Messias triunfante. 

As mensagens de Jesus quanto à ressurreição ao terceiro dia não foram entendidas por Tomé (nem pelos demais discípulos). Talvez todos os discípulos as tenham entendido como parábolas. 

O fato é que a morte do Messias, e morte de cruz, abate a todos! 

Ao longo do domingo da ressurreição, começaram a surgir notícias do túmulo vazio e de aparições de Jesus. Primeiro, Jesus aparece a algumas mulheres; Pedro e João veem o túmulo vazio; depois, Jesus aparece a Pedro e, mais tarde, aos discípulos a caminho de Emaús. 

Ainda naquele mesmo domingo, à noite, Jesus aparece a 10 dos Seus discípulos – Judas se suicidara a Tomé estava ausente (Jo 20.19-24). Os discípulos ainda estavam em Jerusalém, em continuidade ao luto, cujo período mais intenso costumava se estender por sete dias. 

Isso nos leva ao texto.

I. A dúvida de Tomé (vs. 24,25).

O contexto revela que Tomé é um crente que passou por um enorme desapontamento religioso. Ele esteve seguindo a Jesus acreditando que Ele era o Messias triunfante, quando, de repente, o ver pendurado em uma cruz, o tipo de morte mais vergonhosa já praticada pelo império romano.

A crucificação não representava somente agonia física. Ela estava associada a degradação e vergonha – uma execução sofrida somente por escravos, traidores e inimigos públicos.

Por tudo isso, Tomé estava se sentindo ingênuo e não via mais nenhuma vantagem em mera credulidade. Ele havia decidido que uma simples crendice não mais o apanharia. Ou as coisas eram de fato verdadeiras ou não interessavam a Tomé. Por isso ele precisava distinguir fé genuína de credulidade tola e se recusava a ser vítima de nova decepção. Essas eram as suas cogitações.

Por isso, quando os demais discípulos lhe disseram “Vimos o Senhor”, ele respondeu: “Se não vir nas suas mãos os sinais dos cravos, e ali não puser o dedo, e não puser a mão no seu lado, de modo algum acreditarei” (v. 25). Tomé não está duvidando da sinceridade dos seus amigos, mas para ele era fundamental ter certeza da natureza da experiência que eles relatam. E somente uma evidência demonstrada pela captação dos sentidos – ver e pegar –  o convenceriam que eles não tinham visto uma espécie de fantasma, ou uma visão espiritual. 

Tomé, em síntese, estava decidido: somente creria se tivesse provas cabais da continuidade entre o Jesus das aparições e o Jesus que morreu e foi sepultado. Ele está disposto a acreditar, ele quer acreditar, tudo o que ele mais deseja é acreditar, mas não se deixaria ser enganado por nada! Então, diz que deseja ver nas mãos de Jesus os sinais dos cravos. Mas não só. Ele quer sentir ao tato as feridas. Só então creria! 

A nossa conclusão, a princípio, é que a passagem retrata um grande clamor de um crente, que quer crer, mas se recusa a ser ingênuo. 

O que o Senhor Jesus faria a respeito?

II. A experiência de Tomé (vs. 26-28).

“Passados oito dias”, no domingo seguinte ao domingo da ressurreição, os discípulos estão novamente reunidos, a portas fechadas, como no domingo anterior. Tomé está com eles. 

Nesse encontro, a cena do domingo passado é praticamente repetida – parece ter sido feita sob encomenda para Tomé: 

  • Jesus aparece de repente, como no domingo anterior: “veio Jesus, pôs-se no meio” (v. 26; cf. v. 19);
  • Jesus fala as mesmas palavras de saudação, como no domingo anterior: “Paz seja covosco!” (v. 26; cf. v. 19). “Paz” é completo bem-estar espiritual, é estar conciliado com Deus; significa que deste lado da cruz e da ressurreição é possível ter paz com Deus.

Em seguida, Jesus se concentra em Tomé e passa a atender suas demandas, aquelas do versículo 25 (v. 27):

As demandas de Tomé (v. 25)As respostas de Jesus (v. 27)
Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos cravos…… e vê as minhas mãos
… e ali não puser o dedo…Põe aqui o dedo…
… e não puser a mão no seu lado…… chega também a mão e põe-na no meu lado…
… de modo algum acreditarei… não sejas incrédulo, mas crente.

É possível concluir com razoável certeza que Tomé fez tudo quanto Jesus lhe mandou fazer. Ele realmente pôs o dedo nas mãos e nos pulsos de Jesus e sentiu a ferida causada pelos cravos. Ele também pôs a mão no lado de Jesus e tocou a ferida causada pela lança. 

E, provavelmente, não apenas Tomé fez isso, mas todos os discípulos o fizeram porque todos foram tomados em algum momento com dúvidas severas. Lucas narra o primeiro encontro dos discípulos com Tomé da seguinte forma: 

Falavam ainda estas coisas quando Jesus apareceu no meio deles e lhes disse: Paz seja convosco! Eles, porém, surpresos e atemorizados, acreditavam estarem vendo um espírito. Mas ele lhes disse: Por que estais perturbados? E por que sobem dúvidas ao vosso coração?Vede as minhas mãos e os meus pés, que sou eu mesmo; apalpai-me e verificai, porque um espírito não tem carne nem ossos, como vedes que eu tenho” (Lc 24.36-39).

Muitas décadas depois, o apóstolo João, com uma proposital redundância, recordou que o testemunho apostólico se baseou em evidências comprovadas através dos sentidos:

O que era desde o princípio, o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos próprios olhos, o que contemplamos, e as nossas mãos apalparam, com respeito ao Verbo da vida (e a vida se manifestou, e nós a temos visto, e dela damos testemunho, e vo-la anunciamos, a vida eterna, a qual estava com o Pai e nos foi manifestada),o que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo” (1Jo 1.1-3, com grifos nossos).

III. A confissão de Tomé (v. 28).

Assim, Tomé, o homem que queria crer (como os demais discípulos) – embora não quisesse ser ingênuo (como os demais discípulos) -, desatou sua confissão: “Senhor meu e Deus meu” (v. 28). Isso é nada aquém do que o que João já havia dito no início do seu evangelho (1.1).

De onde surgiu essa confissão? Tomé teve uma semana para pensar e repensar sobre tantas afirmações de Jesus. Recordemos as seguintes, para apenas ilustrar o que pode ter estado repercutindo na mente de Tomé:

“Então, lhes falou Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que o Filho nada pode fazer de si mesmo, senão somente aquilo que vir fazer o Pai; porque tudo o que este fizer, o Filho também semelhantemente o faz. Porque o Pai ama ao Filho, e lhe mostra tudo o que faz, e maiores obras do que estas lhe mostrará, para que vos maravilheis. Pois assim como o Pai ressuscita e vivifica os mortos, assim também o Filho vivifica aqueles a quem quer. E o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo julgamento, a fim de que todos honrem o Filho do modo por que honram o Pai. Quem não honra o Filho não honra o Pai que o enviou” (Jo 5.19-23).

Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade eu vos digo: antes que Abraão existisse, Eu Sou” (Jo 8.58). 

“Disse-lhe Jesus: Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai?” (Jo 14.9).

Essas falas Jesus, na ótica de um judeu do primeiro século, só fariam sentido se Jesus fosse Deus. Se Jesus não fosse Deus, adorá-lo seria idolatria, violação do primeiro mandamento. Mas se o caso for que Jesus é Deus, esse fato foi absolutamente atestado por Sua ressurreição. De modo que, comprovada a ressurreição para Tomé, ele já não teve dúvidas: Jesus é Deus.

A conclusão de Tomé quanto à divindade de Jesus a partir da ressurreição está em consonância com as palavras de Paulo aos Romanos:

“e foi designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 1.4). 

IV. A finalidade da dúvida satisfeita de Tomé (vs. 29-31)

João relatou o que Jesus disse após a confissão de Tomé: “Por que me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram” (v. 29). 

Essas palavras têm sido interpretadas como significando que a fé que resulta do ouvir é superior à fé que resultado do ver. “Fé que resulta de ver é boa; mas fé que resulta do ouvir é mais excelente” (Hendriksen). Segundo essa interpretação, Jesus teria repreendido a Tomé porque ele não creu antes de ver, e lhe dito que aqueles que creriam sem ver seriam, estes, sim, bem-aventurados. Não pensamos ser essa a interpretação do texto que lhe corresponda. 

Jesus pode ter querido dizer o seguinte: “Tomé, você viu e creu”. “Veja, Tomé, esse é o seu caso. Você teve a oportunidade de ver e tocar no Jesus ressurreto, mas essa será a experiência apenas de uma pequeníssima minoria da Igreja. Mas, não importa. Bem aventurados são os que não viram e creram”.

Atenção para esse detalhe: esses tais, que não viram e creram, não são mais bem-aventurados do que os apóstolos, p. ex., que creram porque viram, e não são bem-aventurados porque creram sem qualquer evidência. A bem-aventurança não reside na credulidade. Esses tais, que não viram e creram, são bem-aventurados porque, apesar de não terem visto, creram com base nas evidências deixadas pela geração que testemunhou a ressurreição de Jesus. 

Em síntese, Tomé viu e creu e só creu porque viu; por isso eu posso crer sem ver e sem medo de estar sendo simplesmente um crédulo que é capaz de dar crédito a qualquer conto da carochinha.

Em outras palavras, Jesus não disse que nós, que cremos sem ter visto, somos mais bem-aventurados do que aqueles que creram porque viram. Mas Jesus disse que não é porque não vimos que deixamos de ser bem-aventurados. Sim, nós, sem termos visto, somos bem-aventurados porque cremos com base no testemunho daqueles que viram.

Por isso essa aparição de Jesus aos discípulos, que incluiu Tomé, é, nas palavras de João, um dos sinais (houve “muitos outros sinais”: “fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais”, v. 30). Este é um dos sinais que embasam a fé de todos quantos creram sem ter visto como Tomé viu (v. 31).

Tomé se torna, portanto, parte desse testemunho que recomenda a fé no Senhor Jesus a todas as gerações após ele. 

Eis a função da dúvida satisfeita de Tomé. 

Se não cremos, não é por falta de evidência histórica. 

Conclusão

Perceba o leitor que este não é um texto sobre Tomé. 

É sobre Cristo. 

É sobre a cruz de Cristo, aprovada e recebida pelo Pai como pagamento pelos nossos pecados. 

Como sabemos disso? Porque Cristo ressuscitou. E crer nisso muda tudo.

Com efeito, a ressurreição de Jesus está mesmo no fundamento da nossa fé, sem a qual tudo rui. Se Jesus não ressuscitou, diz o apóstolo Paulo, a fé é vã, a pregação é vã, os apóstolos são falsas testemunhas, os mortos não ressuscitarão, ainda permanecemos em nossos pecados e os que dormiram em Cristo apenas morreram (1Co 15.13-19). 

Mas, ele também diz, sem sombra de dúvida: “de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos” (1Co 15.20), tendo dado provas cabais desse fato histórico que não ficou sob quaisquer dúvidas porque não pode, por suas evidências, restar quaisquer dúvidas. 

Paulo, na mesma passagem, sem pretensão de ser exaustivo, disse que Jesus ressuscitou ao terceiro dia, apareceu a Cefas, aos doze, a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, a Tiago e a ele, Paulo, no caminho de Damasco (1Co 15.4-8).

Portanto, Tomé duvidou e teve a sua dúvida cabalmente sanada para que pudéssemos ter a bem-aventurança de crer, acima de qualquer dúvida, sem ver. 

Mas, esclareça-se: crer sem ver não significa crer sem fundamentos fático-históricos.

Soli Deo Gloria!

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