Introdução
A obediência que é distintivamente cristã possui uma natureza diversa, embora formalmente se assemelhe àquela obediência que filhos não cristãos podem prestar. Qual é a essência da natureza da obediência que a torna distintivamente cristã?
Imaginemos que um pai dá uma ordem a dois filhos no seguinte sentido: “levantem e se aprontem para ir à escola”. Ambos obedecem: levantam e se vestem e vão à escola. Mas apenas um deles é cristão e pode atender ao mandamento apostólico que ordena aos filhos que obedeçam aos pais; o outro, não. O que diferencia a atitude de ambos, uma vez que formalmente ambos obedeceram? Paulo diz: “Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor…” (grifei).
A obediência cristã
A obediência cristã é uma obediência qualificada; é uma obediência “no Senhor”. O que isso significa? Isso quer dizer que filhos cristãos devem obedecer a seus pais como um serviço que prestam ao Senhor. A obediência aos pais deve ser encarada pelos filhos cristãos como uma obediência ao Senhor que manda que se obedeça aos pais.
Em outras palavras, a obediência é vista como uma forma pela qual agradamos ao Senhor. E se a obediência aos pais é um serviço que os filhos prestam ao Senhor, ou um mandamento que cumprem para agradar ao Senhor, deve ser feito de coração, como que para o Senhor, que sonda mentes e corações.
Em síntese, os filhos devem aprender desde cedo a agradar ao Senhor pela obediência que prestam aos pais. Essa noção de obediência cristã é corroborada pelo texto semelhante de Colossenses 3.20: “Filhos, em tudo obedecei a vossos pais, pois fazê-lo é grato diante do Senhor” (grifei). A ordem apostólica, pois, é que os filhos cristãos obedeçam a seus pais por obediência Deus: de boa vontade, desde o coração, com sinceridade e gratidão, espontaneamente e sem reclamações e não apenas quando estão na presença dos pais, porque sabem que sempre estão na presença de Deus. Isso envolve a atitude de um coração respeitoso que se manifesta por meio de atitudes, gestos e palavras.
Esse “temor reverencial”, evidentemente, nada tem a ver com obediência por medo de ameaças. Filhos podem obedecer porque os pais são espancadores ou quando sob a ameaça dos pais. Essa obediência não é cristã. A obediência cristã, além disso, não pode ser comprada, ser objeto de barganha; isto é, nunca é mercenária. A criança não pode aprender a calcular os possíveis ganhos advindos da obediência – algo do tipo “se você me obedecer, eu lhe dou um celular novo” – para somente então obedecer. Em geral, crianças que sempre conseguem o que desejam são as que usam a obediência de maneira calculada.
Quando os pais não ensinam os filhos sobre o sentido da obediência cristã, privam-lhes deste serviço a Deus, formam pessoas que não agradam a Deus quanto ao mandamento da obediência e põem os filhos no perigoso caminho de desobediência ao Senhor, perante quem hão de prestar contas.
A extensão da obediência cristã
Avançando em nossa análise, deve-se pontuar que a extensão da obediência cristã é delimitada por sua natureza. Aos Colossenses 3.20, Paulo disse: “Filhos, em tudo obedecei a vossos pais, pois fazê-lo é grato diante do Senhor” (grifei). Importante observar que “em tudo” significa “completamente”, “sempre”, “em todas as ocasiões”. Com isso, o apóstolo diz que a obediência cristã não pode ser ocasional, seletiva ou condicionada a recompensas, mas contínua, sempre, “em tudo”.
Entretanto, “em tudo” não pode significar que os filhos devem obediência aos pais ainda que estes imponham ações e atitudes proibidas por Deus ou proíbam ações e atitudes claramente reveladas como exigências divinas. Se a natureza da obediência aos pais é devocional, é um serviço a Deus, não pode, por razões lógicas, ir ao extremo de desobedecer a Deus para obedecer aos pais.
Em termos conglobantes, o mandamento de obedecer aos pais “em tudo” só pode ser este: obedeçam aos pais em tudo até ao ponto em que a obediência não se configure como desobediência a Deus. Estou defendendo que, na hipótese de pais exigirem dos filhos ações e atitudes que infringem mandamentos divinos não há mandamentos conflitantes – isto é, não há conflito entre obedecer a Deus ou observar o quinto mandamento -, exatamente porque o conteúdo integral ou conglobante do quinto mandamento é: obedeça aos pais desde que isso não implique desobediência a Deus.
Convém, todavia, não esquecer que a extensão da obediência aos pais como obediência cristã é definida pela cláusula “em tudo”, o que traz como implicação o fato de que os filhos cristãos devem ter cuidado especial no momento de decidirem se desobedecerão aos pais em nome da devoção cristã. As seitas religiosas costumam alijar os filhos da convivência com a família, propondo na prática uma espécie de troca da família natural pela “nova família”. Até igrejas podem fomentar uma desobediência pecaminosa dos filhos crentes a pais descrentes ao estimular aqueles a participarem a todo custo de certas programações, ainda que os pais não permitam.
Considerando estas hipóteses, em muitos casos os jovens e adolescentes cristãos precisarão discernir entre a obediência a uma determinação parental difícil e a obediência a um comando que claramente viola um mandamento divino para que, naquilo que alegam defender a fé, não a neguem.
Então, sim, convenhamos que há ocasiões em que a obediência é mais custosa porque as determinações dos pais são mais duras do que deveriam. Os filhos de Recabe obedeceram a um comando deveras excessivo à nossa cultura (Jr 35.6-10). Jacó foi a uma terra distante em obediência aos pais (Gn 28.7). José cumpriu uma promessa de obedecer a Jacó não enterrando o pai no Egito (Gn 47.29-21; 50.5-8). Notável que a obediência dos recabitas e a de José foi póstuma: um desejo dos pais foi atendido após a morte desses, embora seja natural e razoável que a obediência aos pais ocorra em vida, até para que se evite aquelas lágrimas de remorso nos velórios, como sói ocorrer.
Isaque se submeteu sem resistência à ordem de Abraão de se deixar imolar no Monte Moriá (Gn 22.6-12) e Judá, ao comando de Jacó de se entregar como refém no lugar de Benjamin (Gn 44.18-34). Veja-se que em todos esses casos lemos sobre filhos que obedeceram aos pais quanto a determinações excessivas até, e, em casos como esses, a igreja não deve interferir além da medida nas relações familiares sob pena de fazer coro com gerações que já são demasiadamente sensíveis e avessas à noção de autoridade. É necessário entender que o grande problema das nossas atuais gerações não é a dureza de tratamento por parte dos pais, mas a facilidade com que filhos os desrespeitam.
Coisa diversa acontece quando os pais obrigam os filhos a desobedecerem a Deus. As coisas podem ser muito dramáticas em contextos de perseguição aberta à fé cristã (quando filhos são deserdados e sumariamente excluídos da família por terem depositado fé no Redentor Jesus) ou de animosidades que acontecem dentro de famílias tensionadas por conflitos religiosos. “Assim, os inimigos do homem serão os da sua própria casa” (Mt 10.36). Mas, infelizmente, em lares cristãos também filhos podem ser conduzidos à desobediência a Deus em nome da obediência aos pais, quando esses, por exemplo, dizem aos filhos para atenderem pessoas e dizerem que não estão, a furtarem certas coisas etc.
Por fim, é pertinente ressaltar que os pais sempre devem explicar aos filhos nos termos mais claros possíveis as razões de deliberarem nesta ou naquela direção em relação a eles. É importante que os filhos entendam as razões que fundamentam os comandos que recebem dos pais. Por outro lado, os filhos devem atentar que a menor idade, a menor experiência e a menor compreensão da vida com toda a sua complexidade, como também da Escritura, impedem-nos de verem as coisas com a clareza que os pais vêm. Para os filhos, certos comandos são entendidos como sem razão de ser: “o que isso tem de mais” ou “não vejo nada demais naquilo”, dirão. Nesses casos, os filhos devem se submeter, ainda que não compreendam as reais dimensões das razões apresentadas pelos pais, porque obedecer é colocar-se sob o comando daqueles que Deus colocou sobre nós como forma de obediência a ele.
Lembremos que de todas as ordens aparentemente (ou evidentemente) injustas a que haveremos de nos submeter ao longo da vida, as dos pais são as únicas, além das de Deus, vindas de quem nos amam incondicionalmente.
Os motivos para a obediência cristã
Já sabemos que a obediência cristã possui uma natureza bastante específica: é um serviço cristão, uma forma pela qual os filhos cristãos servem a Deus. Isso é demonstrado pela expressão paulina “no Senhor” – “Filhos, obedecei a vossos pais no Senhor…”. O termo “no Senhor” esposa o sentido da obediência cristã dos filhos aos pais como uma expressão da devoção cristã. A mesma ideia é corroborada, como já registramos, em Colossenses 3.20: “Filhos, em tudo obedecei a vossos pais, pois fazê-lo é grato diante do Senhor” (grifei).
Compreendido o sentido da obediência cristã aos pais, cumpre entender a razão pela qual os filhos devem proceder desse modo. Em outras palavras, quais os motivos que devem conduzir os filhos a obedecerem aos pais “no Senhor”? É o que Paulo esclarece na sequência do texto e o que exporemos a seguir.
“Isto é justo”
Os filhos devem prestar aos pais obediência cristã porque “isto é justo”. Isso quer significar que a obediência aos pais atende aos reclamos da justiça em seu sentido mais básico, qual seja, a de dar a cada um o que é devido, sendo, pois, absolutamente razoável pensar que devemos obediência àqueles que foram divinamente estabelecidos para cuidar de nós e nos orientar nos caminhos da vida. É totalmente aceitável concluir que aqueles que mais nos amam dentre os mortais e que são os mais capazes dos maiores sacrifícios por nós mereçam a nossa obediência.
Mas não só. É apropriado obedecer aos pais porque possuem muito mais experiência e por isso estão muito mais habilitados a prever as consequências de determinados cursos de ação do que os adolescentes e jovens. Além disso, aos pais é justo que obedeçamos também por motivo de gratidão. A mãe carregou o filho por nove meses em seu ventre e isso foi só o começo de uma história de lutas e muitos sacrifícios pessoais. É evidente que os pais não terão todo o investimento computado em uma conta a ser cobrada dos filhos, até porque esses não têm como pagá-la; mas, por outro lado, é justo que os filhos ponderem sobre todo o custo que os pais assumiram para criá-los e, por motivo de gratidão, sejam obedientes.
Se é esse o caso, quando obedecemos aos pais estamos apenas fazendo aquilo que é adequado, conveniente, apropriado, certo, justo. Isso é sentido praticamente em todas as partes do mundo. Por isso, mesmo nas sociedades bastante liberais, como as ocidentais, onde a noção de autoridade está corroída, sente-se aversão em presenciar cenas de crianças gritando e batendo nos pais, enquanto todos somos capazes de admirar filhos obedientes. No primeiro caso, pensamos: “que cena horrível, isso não está certo”; no segundo, dizemos: “que admirável”. E nem é necessário ser cristão para deplorar o desrespeito aos pais e admirar a obediência. É dizer, há um razoável consenso, mesmo em dias como os nossos, que obedecer aos pais é a coisa certa a ser feita.
Honra a teu pai e tua mãe
Os filhos devem prestar aos pais obediência cristã por se tratar de um dos mandamentos de Deus. Notemos que após Paulo ordenar aos filhos que obedeçam aos pais, cita o quinto mandamento: “Honra a teu pai e a tua mãe”.
A obediência aos pais, portanto, é parte daquele resumo da lei moral de Deus codificado nos Dez Mandamentos, o que significa que deve ser encarada com a devida seriedade, entendendo que tudo não se resume apenas em uma questão de violação de convenções sociais ou construções culturais, mas que se trata de uma determinação divina a ser observada. A consideração cristã da obediência aos pais extrapola, pois, a percepção de que obediência é uma questão de conveniência e adequação; antes, vai além, para dizer que obedecer aos pais é obedecer a um dos mandamentos divinos.
É notável que Lucas registra no contexto daquela primeira ida de Jesus a Jerusalém, aos dozes anos, que o Senhor era submisso aos pais (Lc 2.51). Isso só pode significar que o evangelista quer que evitemos qualquer ideia que nos faça concluir a partir do episódio narrado que Jesus era um filho desobediente. Mais tarde, quando Jesus foi abordado por um jovem rico e perguntado sobre o que fazer para herdar a vida eterna, respondeu: “Sabes os mandamentos: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não dirás falso testemunho, honra a teu pai e a tua mãe” (Lc 18.19, 20, com grifo). Veja-se que o quinto mandamento aparece na lista dos mandamentos de observância necessária a quem está na posse da vida eterna.
Em síntese, Jesus tanto viveu em real submissão aos pais terrenos como afirmou a obediência cristã como uma marca dos herdeiros do reino de Deus. Esse fato nos obriga a ressaltar que obediência aos pais não é apenas uma questão de conveniência, é uma marca esperada daquele que alega ser cristão, fato que torna toda a desobediência injustificada incompatível com a fé cristã e com a nova vida em Jesus Cristo.
É o primeiro mandamento com promessa
Os filhos devem prestar aos pais obediência cristã por se tratar de um mandamento de Deus com especial relevância: “Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro mandamento com promessa), para que te vá bem, e sejas de longa vida sobre a terra”.
Embora não haja consenso entre os intérpretes, Paulo pode não ter querido dizer que o quinto mandamento é “o primeiro mandamento [dos Dez Mandamentos] com promessa”, considerando que o segundo mandamento contém uma promessa de misericórdia até mil gerações daqueles que amam a Deus e guardam os seus mandamentos (Ex 20.6).
É mais provável que Paulo tenha dito que o quinto mandamento “é o primeiro mandamento, com promessa” (note o leitor a vírgula). Nesse caso, Paulo teria dito que o quinto mandamento é o “primeiro” da relação dos mandamentos que tratam dos deveres dos homens uns para com os outros e que essa posição topográfica é proposital, estando a indicar que o quinto mandamento goza de certa proeminência dentre os mandamentos da segunda tábua da Lei.
Essa posição proeminente do quinto mandamento, por isso colocado como o primeiro da segunda tábua, é acentuada pelo fato de ele vir seguido de uma promessa, uma promessa dupla consistente de vida bem-sucedida (para que te vá bem) e longa (sejas de longa vida sobre a terra). Observamos, a propósito, que a promessa de Êxodo 20.12 diz respeito à vida longa na Terra Prometida. Paulo adapta a passagem para dizer que essa promessa alcança os crentes da Nova Aliança, onde quer que habitem.
Em síntese, Deus promete abençoar os filhos obedientes com vida longa e bem-sucedida. A vida bem-sucedida prevista na frase “para que te vá bem” não implica acúmulo de riqueza, nos termos ditados pelas sociedades de consumo. A maioria das pessoas muito ricas sobre quem ouvimos falar nada conhece sobre a vida bem-sucedida tratada na passagem. Semelhantemente, “longa vida sobre a terra” tampouco pressupõe um número mínimo de anos. Embora presente a noção natural de longevidade, pessoas já viveram longos quarenta anos bem-sucedidos, enquanto outras vidas tristes e infelizes por noventa e cinco anos.
Feitas as devidas considerações, fato é que a assertividade da Palavra de Deus pode ser verificada em todos os lugares. Quem já não presenciou de perto ou não soube a respeito de vidas arruinadas ou ceifadas na juventude, tudo porque o conselho de uma mãe não foi atendido? “Meu filho, não vá, não faça, evite, afaste-se, o caminho não é esse, isso não lhe trará felicidade, assim você destruirá sua vida”. O filho foi, fez, não evitou, não se afastou, tomou o rumo da própria destruição e perdeu muitos anos em hospitais ou reformatórios até vir a se recuperar, ou a vida aos vinte e poucos anos.
Conclusão
Não esqueçamos, por fim, que os Dez Mandamentos são um guia bastante prático para uma vida que agrada a Deus. Quem obedece aos pais nos termos cristãos observa o quinto mandamento e, com isso, agrada a Deus. Lembremos: “Filhos, em tudo obedecei a vossos pais, pois fazê-lo é grato diante do Senhor” (Cl 3.20).
Ante o exposto, urge alertar que os nossos jovens estão sendo enganados. Eles estão sendo estimulados a trocar a boa e velha submissão aos pais pela liberdade mais exacerbada e mais precoce possível a todo custo e preferir as influências dos amigos, professores e outros ídolos a orientação dos pais. As redes sociais são um fator real a ser considerado, nas quais adolescentes têm sido cooptados para a militância progressista. Eles estão aprendendo, por variados modos, que os pais representam tudo aquilo que é antiquado, ultrapassado, retrógrado, reacionário e que deve ser rejeitado para que finalmente tenham vidas plenamente realizadas. Será?