O Preâmbulo do Decálogo

Lição 3/15

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Introdução 

O que temos no preâmbulo do Decálogo é uma introdução típica dos tratados da época no Oriente antigo, na qual se identificava o autor do pacto – o soberano que reivindicava o senhorio sobre o povo -, e seus atos beneficentes para com os súditos. 

É notável que os Dez Mandamentos foram as únicas “palavras” dadas diretamente por Deus a todo o povo, e, somente em momento posterior, entregues a Moisés inscritos em pedras (Ex 24.12; 34.1,27,28). Todas as demais estipulações legais foram dadas ao povo indiretamente, através de Moisés (Ex 20.22; 21.1; 24.3).

Pelo preâmbulo, fica claro que antes de Deus ensinar ao seu povo o que requer dele, anuncia-lhe sua soberania, seu direito soberano de reivindicar-lhe a obediência, e relembra-lhe os seus atos salvadores: “Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão” (Ex 20.2). Deus é glorificado, a um só tempo, como o Legislador e o Libertador do seu povo, de modo que este povo possui razão dupla para obedecer em gratidão ao Senhor que o redimiu: a autoridade de Deus e Sua inexplicável bondade. 

Sigamos, pois.

Quem é o Legislador do Decálogo?

“Eu sou o SENHOR, teu Deus”, é a maneira como o soberano do pacto se identifica. O hebraico traz: “Yahweh, teu Deus, sou eu”, com ênfase na expressão “sou eu”. “Yahweh” (traduzido por “SENHOR”) é o nome divino mais sagrado e pessoal, através do qual o Senhor se revelou como o Deus da graça. A origem do nome está em Êxodo 3.13,14, onde vem relacionado com o verbo “ser” (hebraico “hayah”) e tem o seu sentido explicado pela expressão “Eu sou o que sou” (ou “Eu serei o que serei”). 

No Novo Testamento, “eu sou” e “Yahweh” são expressões vinculadas também à pessoa bendita do Senhor Jesus Cristo. Quanto à primeira, é marcante no Evangelho de João o uso por Jesus de “Eu Sou” (grego “ego eimi”), como em João 8.58: “Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade eu vos digo: Antes que Abraão existisse, Eu Sou”. O uso do “Eu Sou” por Jesus é não apenas uma referência à pré-existência do Senhor, mas da sua pré-existência eterna e sua divindade. Como observa F. F. Bruce, “Jesus usa a mesma linguagem do Deus de Israel”. O verbo no presente indica o eterno presente do Verbo.

De modo semelhante, o nome sagrado “Yahweh”, traduzido pelo grego “Kyrios” (“Senhor”), é indiscutivelmente aplicado a Jesus em inúmeras passagens do Novo Testamento, nas quais textos do Antigo Testamento são citados, como ocorre com a citação de Joel 2.32 em Atos 2.21 e Romanos 10.13. Segundo o mavioso cântico de Filipenses 2.6-11, o ápice da história é a revelação da grandeza e da excelência do nome de Jesus Cristo, fato que imporá a toda língua que “confesse que Jesus é o Senhor (grego “Kyrios”), para a glória de Deus Pai”. 

O nome sagrado “Yahweh”, portanto, indica a imutabilidade de Deus, segundo lição de Louis Berkhof, notadamente “a imutabilidade de sua relação com seu povo”, tanto quanto a sua veracidade. Deus não muda (Ml 3.6). Seus planos não são alterados. Seus propósitos são inflexivelmente cumpridos. Suas promessas são inquebrantáveis. Podemos estar seguros porque os reveses da caminhada não interferirão no comprometimento pessoal do Senhor para com o povo que redimiu.

Por fim, devemos ainda pontuar que, pelo uso da expressão “teu Deus”, o Senhor reivindica o seu povo para sua exclusiva propriedade. De fato, o povo do Senhor lhe pertence por direito de criação e de redenção (Ex 19.5,6; 1Pe 2.9) e o cerne do pacto é a relação exclusiva e recíproca na qual Deus toma um povo para si e dá-se a si para ser o Deus deste povo (Ex 29.45; Lv 26.12; Jr 31.33; 2Co 6.16-18). 

O que fez o Legislador do Decálogo em favor do seu povo?

Se o povo de Deus lhe deve obediência pela autoridade que Ele possui, também, por outro lado, não se furtará de obedecê-lo em virtude do seu inexplicável e incondicional favor: “… te tirei da terra do Egito, da casa da servidão”. 

A libertação da escravidão é um tipo, uma figura, uma sombra da libertação do poder do pecado, realizada na cruz de nosso Senhor, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1.29,36). A Páscoa demarcou o início da vida nacional (Ex 13). Cristo, o nosso Cordeiro pascal, nos redimiu para festejarmos a festa cristã sem os asmos da maldade (1Co 5.7,8). Jesus Cristo “a si mesmo se deu por nós, a fim de remir-nos de toda iniquidade e purificar, para si mesmo, um povo exclusivamente seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.14).

A libertação da escravidão social e econômica do antigo Israel foi deveras um estímulo à obediência, e, com muito mais razão, o evangelho é um poderoso incentivo à piedade, e seu próprio fundamento, do novo e verdadeiro Israel. Se, para os crentes do Antigo Testamento, Deus pode dizer “Vivam piedosamente, porque eu os redimi do jugo tirano do Egito”, aos do Novo, certamente o diz: “Vivam piedosamente, porque eu os redimi do poder e da maldição do pecado”. 

Conclusão

Por fim, devemos ponderar sobre as seguintes lições extraídas do preâmbulo ao decálogo.

Em primeiro lugar, a grande lição estabelecida pelas palavras iniciais do Senhor ao Decálogo é que toda a devoção e piedade do seu povo é resultado de quem o Senhor é e do que Ele fez em seu favor. “Deus é amor” (1Jo 4.16). Esse amor foi manifesto quando Deus enviou a Jesus Cristo para vivermos por Ele. E esse amor consiste nisso, não em que nós o tenhamos amado, mas em que Ele nos amou e enviou a Jesus para fazer propiciação pelos nossos pecados (1Jo 4.9,10). “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” (1Jo 4.19). Portanto, guardar os mandamentos de Deus é a resposta mais adequada ao que Deus fez por nós. O evangelho não deve apenas nos fazer exultar em cânticos, mas abundar em piedade.

Em segundo lugar, guardar os mandamentos do Senhor é a resposta mais adequada frente ao conhecimento que temos do ser de Deus e dos seus atributos. Suas palavras devem ser recebidas como dignas de toda a confiança, ouvidas com toda a reverência, atendidas com toda a submissão, obedecidas com todo o empenho e amadas com todo o coração. Aquele que sabe quem o Senhor é não pode não tremer diante da sua voz (Ex 3.5,6; Hb 12.21).

Finalmente, Deus redimiu um povo para refletir a glória dos seus atributos morais. O Decálogo certamente expressa o caráter moral de Deus, que deve ser refletido através do povo que redimiu (Lv 11.44,45; 1Pe 1.13-21). Israel como o primogênito de Deus (Ex 4.22), que deveria espelhar a natureza do seu Pai, aponta à verdadeira filiação revelada no Novo Testamento, com propósito não menor que o seu tipo e sombra (Mt 5.48).

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